São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Ditadura perseguiu Malévitch

DA REPORTAGEM LOCAL

Kazimir Malévitch (1878-1935) deixou um enigma para a história da arte que poderá ser visto na Bienal. Por que um artista que chegou ao grau zero da pintura, com uma tela de 1915 que mostrava um quadrado negro, voltou a pintar retratos em 1927?
A primeira hipótese era política: ele teria voltado à figura por pressões da ditadura de Stálin, que governou a ex-União Soviética entre 1924 e 1953. A perseguição está registrada nos anais da história, mas não prova nada sobre sua pintura.
Malévitch nunca foi um revolucionário fervoroso. Apoiou a revolução comunista de 1917, ensinou arte entre 1919 e 1930, mas era contra o uso político da arte.
O choque seria inevitável. Nos 20 cresce na URSS a pregação por uma arte propagandística. Malévitch nunca comungou com esse ideário. Buscava a "pureza plástica".
Em 1927, ele parece pressentir as prisões que virariam rotina quando a URSS adota em 1934 o realismo socialista, estilo que pregava a exaltação do regime. Expõe em Berlin e deixa lá, com o arquiteto Hugo Häring, as obras que mostrou.
Foi sua salvação. Em 1928 seus artigos começam a ser censurados. Em 1930 é demitido do Instituto Estatal de História da Arte, preso e interrogado. Em 1932, seu quadro "Esportistas" é exibido como exemplo de "arte burguesa pré-revolucionária". A resposta à volta à figuração poderia estar nos manuscritos de Malévitch, queimados em 1928 por seus amigos.
Para complicar, as duas fazes do artista estavam em museus separados. O Stedelijk Museum, de Amsterdã, ficou com a maioria das obras suprematistas deixadas por Malévitch em Berlin - o Museu de Arte MOderna de Nova York ficaria com outras poucas. O período figurativo estava no Museu Estatal Russo de São Petersburgo - as telas ficaram 39 anos no porão e só foram incorporadas à coleção em 1977.
Só em 1988 a fase suprematista e a volta à figura puderam ser cotejadas na primeira retrospectiva Malévitch.
P curador da mostra na Bienal, o holandês Wim Beeren, não vê ruptura entre as duas fases. Diz que há duas provas pelo menos: a forma como o artista trata a cor e a assinatura (um quadrado negro).

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