São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994 |
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Brasileiros ajudaram a mudar arte dos anos 60
MARIO CESAR CARVALHO
Pode-se tocar nos "Bichos" de Lygia Clark, criados a partir de 1960, porque tudo mudou: da obra de arte ao que se quer do público. Três artistas brasileiros sintetizam a mudança que se deu na virada dos anos 50 para os 60, segundo Nelson Aguilar, curador da Bienal: Hélio Oiticica (1937- 1980), Lygia Clark (1920-1988) e Mira Schendel (1919-1988). Também são três as características que definem a virada: Obra de arte já não é só quadro e escultura. Pode ser um objeto qualquer ou instalação, ambiente que reúne quadro, escultura ou o que o artista quiser, dispostos para o público passear em torno deles; O público deixa de ser passivo em relação à obra. Pede-se para o espectador manipular os "Bichos", placas em metal ligadas por dobradiças, porque os trabalhos não têm uma única forma predeterminada –é o público que dá a forma que quiser à obra; A arte já não é dirigida só ao olhos, mas a todos os sentidos. Em "Rijanviera", trabalho de Oiticica praticamente inédito (só foi mostrada uma noite no Rio, em 1979), o público tem que tirar os sapatos e andar sobre o chão molhado. Ao tirar a arte da parede ou do pedestal da escultura, esses três brasileiros ajudam a criar o que seria a arte contemporânea. Seria o momento em que a arte brasileira deixa de seguir modelos europeus, como acontecia com Anita Malfatti nos anos 10, por exemplo, e funda sua autonomia, como defende Aguilar. A construção de Brasília pelo presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), a bossa nova e o cinema novo ilustram o otimismo da época em que ocorreram essas mudanças na arte brasileira. Hélio e Lygia eram ligados ao concretismo, movimento que defendia o rigor geométrico como uma nova realidade para a arte, pretendia a disseminação das obras em escala industrial e se pautava por um rigor teórico raro no Brasil. Já Mira nunca se ligou a movimento algum. Em 1959, quando Lygia e Hélio rompem com o concretismo por julgarem a geometria limitadora, seus trabalhos começam a abandonar a superfície plana da tela. Lygia cria a partir de 1960 a série "Bichos", como se a geometria que estivesse aprisionada no quadro saltasse no espaço. Não havia abandonado a utopia concretista: queria que os "Bichos" fossem vendidos por camelôs. Hélio começa a fazer em 1959 quadros que flutuam no espaço (não ficam presos à parede) e cinco anos depois junta corpo, dança e tecidos em movimentos nos parangolés, uma espécie de capa para se vestir. Mira, isolada, começa a trabalhar mais com o espaço a partir de 1966. Faz "Droguinhas", uma estrutura vazada feita com papel japonês, similar a uma rede. Em 1969, mostra na Bienal a instalação "Ondas Paradas de Probalilidade", remontada nesta mostra. Aí ela chega ao quase invisível –são 4.800 fios de nylon que caem do teto e são presos no chão. Lygia, já em meados da década de 60, começa a usar o corpo humano em seus trabalhos, o que faria até a sua morte em 1988. Em 1977 ela declara-se não-artista e torna-se terapeuta. Não é uma ruptura, segundo o artista plástico e terapeuta Lula Vanderlei, que trabalhou com ela. "A preocupação fundamental de Lygia sempre foi a existência", diz. Depois dos parangolés de 1964, Hélio trabalharia cada vez mais com a sensorialidade. Em "Tropicália" (1967) já usava areia e pedra, sobre as quais o espectador era convidado a caminhar. Em "Tenda Luz", penetrável que fez em 1979 em Cabo Frio (RJ) para o filme "O Gigante da América", de Júlio Bressane, ele provoca a sensibilidade subtraindo elementos. O trabalho, remontado nesta Bienal, já não é feito com o acúmulo de materiais, como se fosse a mímese de favela evocada em "Tropicália". Tem só pano e luz. Texto Anterior: Ditadura perseguiu Malévitch Próximo Texto: HÉLIO OITICICA Índice |
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