São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Todo poder aos professores

OTAVIO FRIAS FILHO

Grande ênfase será dada à educação no próximo governo, é o que se anuncia. O presidente eleito é visto em reuniões com auxiliares que, como ele próprio e sua mulher, são professores universitários.
Especialistas têm uma série de propostas para o problema, que é talvez o mais sério de todos, apesar de duplamente refratário à abordagem jornalística: por ser complexo demais e empolgante de menos.
Todo mundo parece de acordo em que é preciso utilizar melhor os recursos, reduzir desperdícios, estimular parcerias, pagar melhor e exigir mais do professor.
Mas há um aspecto que não pode ser quantificado e que nem sempre se leva em conta. Desde os anos 60 a relação professor-aluno se flexibilizou; o ensino deixou de ser dogmático e perdeu muito do seu caráter impositivo.
A idéia é que o aluno passe a ser sujeito ativo na relação de aprendizado. Seminários e laboratórios ganharam espaço em detrimento das aulas expositivas. Trabalhos, de preferência em grupo, substituíram em parte as antigas provas.
Procurou-se estimular a "criatividade" do aluno e reduzir as tarefas ligadas à memorização de dados. Essa ideologia predomina hoje em qualquer escola. Seus pressupostos parecem muito sensatos e de fato arejaram o ensino.
O lado perverso é que essa doutrina vestiu como uma luva nas carências materiais e pedagógicas para gerar distorções absurdas, em especial no ensino superior.
Como o diploma virou passaporte para um emprego um pouco melhor, reprovar passou a ser anti-social. Estudantes e professores terminaram unidos numa frente única cuja ação é ditada pela lei do menor esforço.
Além de ser mais chique, do ponto de vista ideológico, o seminário é mais cômodo para os dois lados: nem o professor prepara a aula, nem o aluno estuda, e ambos entram com sua cota de "participação crítica".
O mais grave é que onde esse processo se instalou não há como revertê-lo, pois as facilidades se transformam em direito adquirido.
Cheguei a ver, por exemplo, na Faculdade de Letras da USP, uma professora anunciar o cancelamento das provas de fim de curso como uma "vitória" obtida pelos estudantes (e, modestamente, por ela).
Já que o mundo passa por uma histeria de volta ao passado, ao menos em relação ao que parecia "futuro" nos anos 60, talvez fizéssemos bem em rever grande parte das mudanças do ensino nestes 30 anos.
Porque os resultados, mesmo nas boas escolas, não parecem encorajadores. A ideologia do ensino crítico está produzindo gerações de tontos. A lassidão, o vale-tudo, a falta de autoridade professoral desestimula a própria rebeldia do estudante.
FHC conta com a ajuda do filósofo José Arthur Giannotti, um paradigma na universidade brasileira, célebre por massacrar seus alunos e ao mesmo tempo estabelecer com eles o mais livre debate intelectual.
Vamos ver se conseguem alterar a mentalidade dominante nas escolas. O lema bem que poderia ser: "Todo poder à sala dos professores!"

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