São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
Próximo Texto | Índice

O que querem as mulheres?

MARTA SUPLICY

Em artigo com o mesmo título, sem interrogação no enunciado, publicado na Folha de 10/11/94, Otavio Frias Filho tenta responder à questão que Freud colocou à sua amiga Marie Bonaparte no começo do século.
Frias Filho é sensível a um tema que a maioria dos homens nem chega perto. Entretanto, percebe-se como mesmo uma geração próxima dos 40 anos, informada e preocupada com as relações de gênero, ainda se mostra perdida com a pretensão das mulheres.
"Elas querem, assim como os homens, coisas demais e coisas às vezes incompatíveis entre si. Querem sucesso profissional e querem ter filhos, querem igualdade e querem romantismo". Otavio não se engana. Nós queremos tudo isso mesmo. Só que não achamos que essas coisas sejam incompatíveis.
Elas são, sim, difíceis de conseguir, por motivos de uma sociedade ainda estruturada de forma patriarcal e, mesmo quando possíveis, raramente são vividas sem culpa.
As estruturas do poder político, assim como os centros cirúrgicos, não estão preparados para receber mulheres. Mais da metade dos gabinetes dos deputados não possui banheiro, afinal as mulheres somente em 95 chegarão a ser 5% do Congresso, e as cirurgiãs só há cinco anos têm banheiro para se trocar!
A maioria das mulheres brasileiras ainda é criada para o casamento. Escuto pais que dizem sobre o futuro do bebê do sexo feminino: "É melhor ela ter uma profissão porque, de repente, o marido larga, né?" Fala típica de uma época de transição de valores, na qual percebe-se que o papel da mulher mudou na sociedade, mas o novo ainda não foi assimilado. Nem pela família, nem pela sociedade que paga pelo trabalho feminino metade do que para o homem.
Quanto às mulheres quererem igualdade e romantismo, não me parece que sejam coisas opostas, apesar de convivência ainda complicada. A dificuldade está na insegurança de algumas mulheres e consequente confusão para os homens que querem entendê-las.
Eles não conseguem acertar. Se vão buscar a mulher no trabalho, "é policiamento". Se nunca vão, "eles não se portam mais como na época do namoro". Mas nada impede que nos casais maduros e atentos à manutenção do vínculo amoroso essas características coexistam.
Uma dificuldade que não pode ser esquecida é que as mulheres, mesmo as mais liberadas e bem-sucedidas, são, na sua maioria, românticas, enquanto os homens o são muito menos, como indicam as pesquisas.
Pesquisa recente realizada em São Paulo mostra que enquanto para os homens a satisfação sexual é basicamente chegar ao orgasmo, as mulheres manifestam necessidade de carinho e amor. Para além da cama.
O feminismo não perdeu a sua razão de ser, como diz Otavio. Ele mudou o seu jeito de ser. As feministas não são mais inimigas do homem, a não ser alguns pequenos grupos radicais que, para manter a identidade feminina, adotam uma posição patológica defensiva de oposição ferrenha ao homem. Muito semelhante a de grupos étnicos que acabam provocando chacinas.
Ao contrário do que Otavio afirma, é na camada mais pobre que o feminismo avança. Inclusive esta é uma característica do feminismo brasileiro, fruto do trabalho da Igreja com as camadas mais carentes da população. Luta-se por creche, asfalto, posse de terra, e o resultado é a mudança da visão da mulher sobre si mesma.
Como me explicou uma mulher do movimento dos sem-terra, depois de uma briga com o marido: "Olha, depois de eu apontar o dedo para o prefeito e dizer que da minha casa eu não saio, eu não vou aguentar homem nenhum dizendo a hora que eu devo chegar em casa".
O exercício da cidadania muda a relação interpessoal. E não tem por que o feminismo ser abandonado se nossas conquistas ainda são mais teóricas do que práticas.
Tenho outra interpretação para o que Otavio acredita ser "as fantasias e o ritual de das nossas avós que ressurgem no imaginário de garotas adolescentes que nem por isso abrem mão de virem a ter trabalho, carreira etc."
As garotas não são favoráveis à virgindade, ou à manutenção da situação de submissão de suas avós. Podem querer casar de véu e grinalda, ganhar flores e aliança de brilhantes. Mas não em troca de baixar a cabeça.
As mulheres têm fantasias diferentes da dos homens, assim como sua estrutura de julgamento moral é outra. No livro "Uma Voz Diferente" (ed. Rosa dos Tempos), Carol Gilligan mostra como os garotos tendem a solucionar suas pendências nos jogos de forma mais rápida e efetiva do que as meninas, achando tanta graça em solucionar os conflitos e na elaboração legal das regras quanto no jogo. As meninas são mais dispostas a fazer exceções, mais pragmáticas e mais abertas à inovações.
Outra pesquisa mostra como as mulheres, ao contrário dos homens, privilegiam o relacionamento humano frente à propriedade ou à lei. O ângulo pelo qual analisam uma questão não é o mesmo do homem. Nem melhor nem pior: diferente. A peça "Repetition", de Flavio de Souza, ora em cartaz, mostra magnificamente a diferença entre masculino e feminino.
As mulheres ainda são pouco compreendidas, pois vai demorar para os homens abdicarem da imagem da mulher que tem como prioridade única o marido e os filhos.
Os homens de 50 anos que casaram jovens com mulheres que no decorrer da vida resolveram iniciar uma carreira profissional tiveram de mudar o contrato de casamento e se adaptar à nova proposta para permanecerem casados. Para a maioria dessas mulheres trabalhar fora já foi o suficiente, não se chegou à exigência da divisão de responsabilidades. Daí a jornada dupla a que Otavio se refere.
Mas para a geração dos 40 anos, que foi criada com um pé no passado, mas teve acesso e optou pela companheira moderna, a exigência por parte desta mulher é maior. E, para este homem, é complicado abrir mão de seu tempo, seu programa, para dividir tarefas até ontem de responsabilidade feminina. Tudo até vai bem, desde que não interfira no seu cotidiano.
A mudança é longa, mas virá. Com véu e grinalda, e o que mais for necessário para manter o desejo por um príncipe encantado, embora ele não tenha mais a ver com as ilusões da Cinderela, e sim com o encantamento de uma cumplicidade verdadeira.

Próximo Texto: Um desafio civil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.