São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Iorubas deram a Cuba e à Bahia influências genéticas e simbólicas

ANTONIO RISÉRIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Visitando a cidade da Bahia, o escritor cubano Cabrera Infante se sentiu em casa. Percorremos o centro histórico da cidade –o Pelourinho antes da restauração– e ele foi se lembrando de Havana.
Contemplava as mulatas com olhos de personagem de Jorge Amado. E se movia com familiaridade quando o que estava em tela era o mundo do candomblé.
Ele sempre quis vir à Bahia. Ouviu falar do local via Hollywood. Depois, via literatura. Mais tarde, exilado em Londres pela ditadura de Fidel, foi apresentado pelo poeta Haroldo de Campos a uma dupla de exilados brasileiros: Caetano e Gil. A Bahia tinha, para ele, uma dimensão mítica. Mas, quando a viu, parecia conhecê-la intimamente.
Também os baianos parecem conhecer com intimidade a velha Havana. Entre os responsáveis por isso, está uma tia de Cabrera Infante: a escritora Lydia Cabrera. Anos atrás, lendo "Ecué Yamba-O", o belo livro de Alejo Carpentier, levei um susto.
É que eu tinha feito uma oferenda aos deuses, no Terreiro do Gantois, na Bahia, ao som de cânticos iorubanos entoados por uma senhora idosa. Pois não é que encontrei um desses cânticos em meio a uma cerimônia candomblezeira recriada por Carpentier? Fiquei surpreso, embora já devesse esperar coisa semelhante. Afinal, era leitor de Lydia, a autora de "Yemayá y Ochún".
As notícias de nosso parentesco (genético e simbólico) com Cuba já vinham rolando nas ondas da música popular. Alguém se lembra de "Babalu", que Ângela Maria cantava? Babalu ou Babaluaiê é como se chama em Cuba o orixá-médico Obaluaiê.
Na maravilhosa "Cocodrillo Verde", regravada por Caetano em "Fina Estampa", ouvimos falar da "clásica leyenda de Yemayá y Changó". O próprio Caetano fez uma canção para Cuba, onde declara que quer conhecer a ilha de Iemanjá e Xangô. Antes que ilha da ditadura de Fidel, Cuba é, para os baianos, ilha dos orixás.
Nossa intimidade com Cuba vem sobretudo pelo sagrado. Carybé me contou que, andando de automóvel por Havana, percebeu que o motorista levava um signo de Xangô, senhor da justiça, e começou a cantar, em ioruba, um canto de Xangô. O candomblé era perseguido em Cuba, mas o motorista sorriu. Os iorubanos ("nagôs", no Brasil; "lucumis", em Cuba) povoaram os litorais da ilha e o brasílico, especialmente o baiano. Impuseram os orixás nesses pontos luminosos do Novo Mundo. E é por isso que temos em comum tantos deuses, canções e coisas boas para a vida.

LEIA MAIS
Sobre Cuba nas págs. 6-2 a 6-7 e Bahia nas págs. 6-8 a 6-12.

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