São Paulo, sábado, 19 de novembro de 1994
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Itamar quer largar política e estuda mudança para os EUA

Presidente lamenta ter governado sem uma primeira-dama

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"O que o sr. vai fazer depois que deixar a Presidência?" Itamar Franco ouviu a mesma pergunta exatas quatro vezes. E, imperturbável, repetiu: "Vou abandonar a vida pública".
Acresceu à frase um único e invariável comentário, atribuído à impessoal "sabedoria mineira": "Quando eu deixar o poder, vai nascer capim na soleira da minha porta".
Itamar compareceu na noite de anteontem à casa do diretor da TV Manchete em Brasília, Carlos Chagas, para um encontro com jornalistas. Além de dois expoentes da trupe de Juiz de Fora -Mauro Durante e Ruth Hargreaves-, estava acompanhado de um número: 86%.
O índice de popularidade revelado pelo último levantamento do Datafolha parecia grudado à sua face. Expressava-se em especial no riso fácil do presidente.
Não foi a primeira vez que Itamar falou em aposentadoria. Já havia mencionado o "desejo" de recolher-se a uma cabana de sapé, onde pudesse degustar uma boa cachacinha.
EUA
Sob o teto da elegante casa de Chagas, descontraído por comportados goles num copo de White Horse 12 anos, Itamar deixou no ar a possibilidade de fixar moradia em local menos bucólico.
Provocado por um dos convidados, não excluiu a hipótese de instalar-se nos Estados Unidos. Sabe-se que sua nova namorada, June Drummond, planeja mudar-se para lá.
A pergunta foi cuidadosa: "É verdade que o sr. pensa em se mudar para o exterior?" E Itamar: "Ainda não me decidi". Perguntou-se a seguir se os Estados Unidos seriam sua primeira opção. O presidente assentiu.
Ao notar que o tema despertava interesse crescente, Itamar procurou desconversar. "Isso, por enquanto, não é sequer uma cogitação."
Minutos antes, o presidente havia discorrido sobre a falta que lhe fez uma mulher. "A primeira-dama dá tranquilidade à alma", disse. "Quando se tem uma, pode-se chorar nos seus ombros. Quando não se tem, como eu, é preciso chorar sozinho."
Cultor da paciência
Esta foi a segunda vez que Itamar encontrou jornalistas na casa de Carlos Chagas. A primeira conversa ocorreu pouco depois do início de sua gestão, em 92.
O retrato oficial de Fernando Collor, àquela altura afastado apenas temporariamente, ainda pendia sob suas costas, no gabinete presidencial. Itamar referia-se a ele como "o fantasma de Rebeca".
O Itamar-92, dono de nervos de dinamite, estava às turras com Gustavo Krause, o ministro da Fazenda que ousou aumentar a gasolina sem avisá-lo. O presidente-94 se disse mudado.
Com as tarifas públicas engessadas desde o lançamento do real, seu temperamento perdeu o poder de combustão: "Meu pavio é muito grande. Vai daqui até o Rio de Janeiro."
Prestes a empossar um sucessor que nasceu do seu governo, Itamar é outro homem. Apresenta-se como um cultor da paciência. E recita Juscelino Kubitschek: "Como presidente, eu suportei muito mais do que suportaria como prefeito de Diamantina (MG)."
'O mundo mudou'
Antes inimigo das privatizações, Itamar já reconhece que "o mundo mudou muito". O ex-defensor da Usiminas e da Cia. Vale do Rio Doce rende-se: "Não faz sentido o Estado continuar produzindo aço".
Mas a metamorfose de Itamar não foi completa: "Continuo achando que não devemos vender as empresas dos setores de telecomunicações e petróleo".
Forra
Há dois anos, Itamar era espremido pelos repórteres. "Sofri muito com a imprensa." Anteontem, foi à forra.
"Diziam que meu ministério era pífio. Hoje, um de meus ministros é presidente da República e outro é governador do Rio Grande do Sul", disse, como que sentindo-se pai do sucesso alheio, uma espécie de irradiador de prestígio.

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