São Paulo, sábado, 19 de novembro de 1994
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Exército agora quer cercar áreas de favelas

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O próximo passo do Exército no Rio será promover o cerco de alguma área de favela da cidade.
"A operação de hoje inibe, dificulta a criminalidade. O cerco, impede", disse ontem o porta-voz da operação, coronel Ivan Cardozo.
Não há data marcada para o cerco às favelas. Será realizado apenas quando o Exército estiver satisfeito com o trabalho de saturação que tenta promover no Rio.
A saturação que se espera é dos traficantes e dos consumidores de drogas. A presença de tropas nas ruas, assim como as ações promovidas ontem, visam inibir a venda e o consumo de drogas.
O nome técnico dado pelo Exército às ações em áreas de favela é PCTran (Pontos de Controle de Trânsito). Pedestres e veículos são barrados e vistoriados.
Esses PCTrans fazem parte também do que os militares chamam de ação psicológica. O Exército sabe que o resultado imediato dessas ações será pequeno.
"A avaliação do sucesso de uma operação não pode ser feita pelo número de pessoas presas ou de droga apreendida", justificou-se o coronel Ivan Cardozo.
Para evitar ainda mais o anticlímax sobre o efeito prático das ações de ontem, o Exército não divulgou oficialmente os resultados.
Fugas liberadas
É deliberado por parte do Exército deixar pontos de escape para traficantes saírem das favelas durante as operações de controle.
É raro haver no Rio um morro com poucas entradas. Ontem, em todas as favelas onde houve investida, eventuais traficantes tiveram opção de fuga.
Indagado sobre a estratégia do Exército, o coronel Cardozo disse: "Os Uês da vida podem ser presos em outros lugares. Nosso objetivo é pacificar essas áreas."
Uê é o apelido do suposto traficante Ernaldo Pinto Medeiros, que está foragido.
Os militares querem fazer o possível para evitar um confronto direto com as quadrilhas de traficantes. Consideram isso perigoso.
Um confronto com traficantes deve gerar troca de tiros. Moradores das favelas poderiam morrer. O Exército teme que isso prejudique a imagem da instituição.
Por isso, acham mais fácil forçar a saída dos bandidos dos locais onde atualmente se escondem. Essa mudança dos traficantes já resultaria, acreditam os militares, em uma redução do nível de criminalidade na cidade.
Dentro do Exército não há dúvida quanto à eficácia que a ação psicológica terá. Acham que isso é apenas uma questão de tempo.
Depois de esgotada a fase de saturação com ação psicológica, virá o cerco. Posteriormente, os militares devem entrar –ou comandar a entrada de policiais– nos morros.
É essa entrada e ocupação que preocupa os militares. Supõem que as áreas estarão relativamente pacificadas. Mas ainda vulneráveis à ação da marginalidade.
"Podemos começar a fazer um trabalho cívico-social. Mas o Exército não pode se perpetuar nessa função. O que desejamos é entregar o Rio com um nível de criminalidade tolerável para o próximo governo, que toma posse em 1º de janeiro. Não temos a veleidade de dizer que vamos acabar com o crime", disse Ivan Cardozo.
Mais uma fase
Embora ontem tenha ocorrido a primeira investida direta em áreas de favelas, para o Exército tratou-se apenas de mais uma fase das ações de combate ao narcotráfico e ao contrabando de armas.
Para os militares, a operação começou na assinatura do convênio entre o governo federal e o carioca, em 31 de outubro.
A operação é abrangente e de intensidade progressiva. Cada vez mais os cariocas vão conviver com militares nas ruas, obrigando as pessoas a apresentarem documentos e submeterem-se a revistas.
Por razões de segurança, o Exército não divulga os locais onde pretende estar a cada dia. Nem quanto tempo cada uma dessas batidas deve durar.
Também alegando a necessidade de sigilo da operação, os militares se recusam a detalhar o que fazem na cidade. Não há números oficiais conhecidos.
O Exército não divulgou o efetivo envolvido, o número de detenções nem o volume de armamento utilizado. "Isso não tem interesse", diz Ivan Cardozo.
Há mais de 500 favelas no Rio. Todas serão vistoriadas e pacificadas? "Podem até ser", responde Ivan Cardozo.
O convênio que dá ao Exército o comando das operações no Rio termina em 30 de dezembro.

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