São Paulo, sábado, 19 de novembro de 1994
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Um triste estado psicológico

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
NÃO

Parece termos perdido de vista a importância vital da autonomia de decisão e da soberania nacional
As vicissitudes do real têm animado alguns economistas a insistirem na tese de que a estabilização pressupõe a livre conversibilidade, acompanhada da fixação da taxa de câmbio com o dólar e de uma regra de emissão que condicione a criação de reais à disponibilidade de reservas internacionais.
Livre conversibilidade significa, neste contexto, a possibilidade de se transformar reais em dólares (e vice-versa) à taxa estabelecida, tanto para transações correntes como para entradas e saídas de capital. Sem isso, não seria supostamente possível garantir a credibilidade do programa de estabilização e evitar a demanda generalizada por reindexação.
A experiência internacional lança dúvidas sobre esta afirmação. Nenhuma das "hiperestabilizações" dos anos 20 (Alemanha, Austria, Hungria, Polônia e União Soviética) e dos anos 40 (China, Formosa, Grécia e novamente Hungria) envolveu a decretação de livre conversibilidade. Os governos preferiram manter controles e restrições cambiais, pelo menos nas etapas iniciais do processo de estabilização monetária.
Decretar a conversibilidade irrestrita no início de um processo de estabilização e reconstrução econômica é colocar o carro na frente dos bois. Recorde-se o cuidado com que Europa e Japão procederam nos anos 50 e 60. O Japão só estabeleceu a conversibilidade do iene em 64, mesmo assim limitada a transações correntes. Escaldados pelo retumbante fracasso da volta da Inglaterra à conversibilidade em 1947, os países da Europa Ocidental só começaram a declarar suas moedas conversíveis em 58, 13 anos após a guerra, e de forma gradual. Controles sobre movimentos de capital foram mantidos por muito tempo. França e Inglaterra só removeram os últimos controles sobre capitais em 1990. A conversibilidade irrestrita sugerida ao Brasil é, portanto, fenômeno recente mesmo no mundo desenvolvido.
Nas circunstâncias atuais, instituir a livre conversibilidade do real seria uma aventura. A economia brasileira ficaria à mercê dos caprichos dos movimentos internacionais de capital. Estaríamos confiando nosso destino, mais uma vez, a uma aposta duvidosa na estabilidade dos mercados financeiros externos, aprofundando riscos já presentes na condução do Plano Real desde julho.
Programas de estabilização que envolvem conversibilidade com câmbio fixo e subordinação da emissão às reservas implicam sempre uma perda fenomenal de raio de manobra em dois aspectos cruciais da política econômica: moeda e câmbio. Representam, no limite, uma regressão ao antigo modelo monetário vigente nas colônias da Inglaterra e de outros países europeus.
Que essas alternativas sejam tão discutidas no Brasil, hoje, diz muito sobre o deplorável estado psicológico do país. Às vezes, parece termos perdido de vista a importância vital da autonomia de decisão e da soberania nacional.

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