São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Corregedor critica sistema de bônus

AMÉRICO MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

Com base em sua "experiência de juiz e homem do povo", o corregedor eleitoral de São Paulo, Márcio Martins Bonilha, suspeita que os candidatos às eleições deste ano receberam constribuições "por baixo dos panos", sem a emissão de bônus eleitorais.
Bonilha lamenta que, com a atual legislação, a Justiça cumpra um papel de mera ratificadora das contas dos candidatos. Para ele, bons contadores podem, facilmente, apresentar contas para os partidos sem denunciar irregularidades.
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - Esta eleição, em São Paulo, foi mais tranquila do que se esperava?
Márcio Martins Bonilha - Mais tranquila. Os incidentes foram poucos. O grande problema do primeiro turno foram as reclamações a respeito da participação da máquina estatal. Quando se eliminou esse problema, o segundo turno transcorreu numa normalidade de primeiro mundo.
Folha - Quais foram os principais abusos?
Bonilha - Os abusos foram a desobediência às normas de propaganda e o uso da máquina de um modo geral. A utilização de empresas que prestam serviços ao Estado torna difícil a investigação, porque os comitês políticos fazem, por uma incrível coincidência, contratos com essas empresas.
Folha - Mas isso é legal.
Bonilha - A aparência da legalidade é que impede a investigação. Vou lhe dar um exemplo: existe uma denúncia de que em um comitê de determinado partido político dezenas de veículos pertencem à frota de certa empresa. Vai se verificar, essa empresa é prestadora de serviços ao Estado. Depois, o comitê apresenta um contrato em que ela fornece veículos. O contrato prova aqueles veículos, mas o que foi por baixo do pano, o que não foi por baixo do pano... E o abuso do poder econômico? O abuso do poder econômico hoje em dia elege sim. Elege sim no Estado de São Paulo. E elegeu, seguramente.
Folha - O financiamento das campanhas ainda é o principal problema da Justiça Eleitoral?
Bonilha - Nós fazemos aqui um papel de chancelador, de ratificador de contas. Embora nós tenhamos poderes para investigar o merecimento, nós teríamos que dispor de dezenas de delegacias de polícia especializadas no Estado apenas para fazer essa verificação.
Folha - Os bônus eleitorais funcionaram nessa eleição?
Bonilha - Não, absolutamente.
Folha - Por que não?
Bonilha - Acho que por dois motivos. Primeiro, porque tornou pública a contribuição que era mascarada antigamente, que era feita por baixo do pano. O bônus afastou muita gente que pretendia fazer doação. As empresas ficaram ressabiadas. Certamente elas estavam alertadas que esses fatos seriam de conhecimento pelo menos da Justiça Eleitoral quando da prestação de contas e não quiseram ser identificadas.
Outra coisa é o bônus não-nominal, apenas com anotação no canhoto, que permite lavagem de dinheiro escuso e o uso indiscriminado do caixa dois. É muito fácil colocar no canhoto: "contribuição de fulano de tal".
Folha - O senhor acha que foram dadas contribuições "por baixo dos panos", sem bônus?
Bonilha - Eu não tenho elemento concreto para fazer uma afirmativa desta natureza e desta ordem. Mas eu, pela minha experiência de juiz e de homem comum do povo... evidentemente que houve. Há suspeita nesse sentido.
Folha - É possível investigar isso?
Bonilha - É muito difícil.
Folha - Mas isso porque a Justiça não está...
Bonilha - Não, nós dispomos de um quadro grande. Mas de que adianta nós dispormos de dezenas de auditores? O que farão os auditores? Os auditores vão examinar a documentação apresentada, os livros e a escrituração contábil. É fácil compor uma prestação de contas com esses dados preparados. Bons contadores elaboram as contas dos partidos, com os gastos correspondentes.
Agora, é estranho. Viagem de jato fica sempre mais barata em campanha eleitoral, não sei por quê. Eu tenho visto que viajar em jatinho fica por um bom preço.
O que nós precisamos é evitar essas leizinhas casuísticas anuais. Os legisladores, quando elaboraram a lei eleitoral deste ano, não estavam interessados mesmo na aplicação rígida de princípios de controles de gastos e arrecadações. Ficou capenga o sistema instituído, o sistema de bônus.
Folha - Mário Covas (PSDB) e Francisco Rossi (PDT) já apresentaram as prestações de contas do primeiro turno –respectivamente, cerca de R$ 6 milhões e R$ 1 milhão. Essas campanhas não foram muito baratas?
Bonilha - Eu acho que ficou um valor bastante inexpressivo em função da publicidade que nós assistimos, mas não temos elementos para contestar esses dados. Principalmente os valores do segundo, o candidato derrotado (Rossi). É estranho que se consiga gastar tão pouco. Para uma campanha de vereador, até se justificaria... Agora, eu só fico esperando a prestação definitiva de contas. Aí, nós vamos ver...
Folha - O que vai ser possível fazer?
Bonilha - Nós vamos ver em que valor vai ficar. Alguns pontos de cobrança de valor nós temos.
Folha - Vão comparar com valores de mercado?
Bonilha - De alguns dados a gente dispõe. Vamos contar com isso.
Folha - Esses problemas afetam a legitimidade da eleição?
Bonilha - Não, acho que não afeta. Na eleição majoritária, não vejo como. Na proporcional, eu vejo. Em matéria eleitoral, o sistema todo tem que ser modificado.
Folha - E sobre as fraudes...
Bonilha - A exigência da informatização é indeclinável. Para afastar erros e fraudes, só a informatização. E os erros são muitos.
Folha - Esses erros foram em um volume tal que poderiam afetar o resultado da eleição?
Bonilha - Não, porque os candidatos dispõem dos boletins e têm os fiscais.
Folha - Que outros pontos precisariam ser revistos na legislação eleitoral?
Bonilha - É preciso restabelecer a fidelidade partidária e a reformulação dos partidos, para evitar legendas de aluguel. A revisão constitucional é reclamo da nação. Temos que fazê-la, não só no aspecto tributário. É a oportunidade de mudança da legislação eleitoral.

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