São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Exército treina ação no Rio desde maio

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O Exército começou em maio o planejamento para coordenar a invasão de favelas e combate ao narcotráfico no Rio.
Documento obtido pela Folha demonstra que os militares já faziam simulações em favelas e morros cariocas seis meses antes de ser assinado o convênio entre os governos federal e estadual.
O convênio foi assinado em 31 de outubro. Segundo o acertado, a partir dessa data o Exército passaria a coordenar uma ação de combate ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas no Rio.
Os militares passaram a coordenar as ações das polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar e Civil e de instituições como a Receita Federal e Corpo de Bombeiros.
As outras duas forças federais, Marinha e Aeronáutica, participam também sob a coordenação do Exército.
Há controvérsia sobre a constitucionalidade do convênio. Segundo o coronel Nelsimar Moura Vabdelli, chefe do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (ESG), a solução atual "não está perfeitamente enquadrada na Constituição".
Vandelli considera que não havia ameaça à lei e à ordem no Rio. Por isso, argumenta, não considera necessário o uso do Exército.
A Constituição não deixa dúvidas de que está fora dos dispositivos legais uma ação das Forças Armadas para o combate ao narcotráfico sem autorização de algum dos Três Poderes.
O artigo 142 da Constituição afirma que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
No caso do Rio, o presidente da República, Itamar Franco, considerou que havia uma ameaça da lei e da ordem.
O documento obtido pela Folha veio do Comando Militar do Leste, sede do Centro de Coordenação de Operações de Combate ao Crime Organizado (Ccocco).
Datado de maio passado, a "Ordem de Operações" é um resumo de como deve ser a abordagem em áreas de favela.
O documento é da Força de Choque Trovão, comandada, na época, pelo general Roberto Jugurtha Câmara Senna. Hoje, Câmara Senna comanda a operação no Rio.
Além de ter feito exercícios diretos em áreas de favela com o objetivo de desenvolver habilidade no combate ao tráfico, os militares também realizaram simulações internas, de planejamento de ações.
O Comando Militar do Leste não revela quais operações foram de fato realizadas.
Pelo menos as seguintes operações serviram de treinamento para Câmara Senna e seus comandados: Plano Alfa; Plano de Operações Diamante Azul; Operação Maré; Operação Turmalina; Operação Chatuba; Operação Fuzil.
Em um trecho do documento, o general Câmara Senna descreve o que considera "fatores negativos" para a atuação das Forças Armadas dentro da favela, e que ainda são considerados válidos:
"1) Presença de indivíduos ligados ao 'Crime Organizado' na área do exercício, com possibilidade de tomar atitudes hostis à presença da tropa, com ações de sabotagem, terrorismo e utilização do armamento de uso proibido e de considerável eficácia;
"2) Prática da 'lei do silêncio' que acarreta sérias dificuldades na obtenção de informações confiáveis de parcela da população;
"3) Possibilidade do 'crime organizado' aumentar sua influência na área de exercício, podendo conicionar atitudes desfavoráveis de parcela da população;
"4) Baixo nível socioeconômico da maioria da população, deixando-a vulnerável às ações psicológicas de marginais vinculados ao crime organizado;
"5) Comercialização e uso de drogas na área do exercício."

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