São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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A economia também precisa de inspiração

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A felicidade não é um ideal da razão mas da imaginação."
Emmanuel Kant
Tal como Eduardo Giannetti comentou em sua coluna duas semanas atrás, sob certos aspectos, a Economia é mais difícil que a Física (que delimita seu campo), mas não é tão difícil quanto a Sociologia, que versa sobre as mais diversas dificuldades dos conjuntos sociais.
Por sorte, teremos em 95 um presidente que conhece a importância do contexto social no resultado dos embates coletivos. Vamos hoje levantar um tema não usual no debate pela mídia: a importância de que haja idéias motivadoras e criatividade para impulsionar um novo período de desenvolvimento.
A tese é conceitual. Todos desejam que o próximo mandato presidencial seja marcado pelo reencontro do país com o caminho da prosperidade econômica e do desenvolvimento social. Afinal, a deterioração que tivemos nos últimos anos foi grande.
Mas não se pode ficar aguardando apenas que medidas econômicas façam esse serviço. Até porque grande parte do que se propõe para o próximo governo é o que se chama de "agenda negativa": diminuição do Estado, corte de despesas, venda de estatais, redefinição do ensino público.
Precisamos de idéias novas, estimulantes e convincentes que incendiem a vontade social. Quando uma coletividade tem uma idéia motivadora de para onde deseja ir, com que meios e levando em conta seus impulsos mais generosos, nesses momentos a cultura progride e o progresso material deixa raízes duradouras.
Por exemplo, a atenção nacional está hoje despertada pelo problema da violência e crime na cidade do Rio de Janeiro. Mas não foi só o empobrecimento material que levou o Rio à situação atual.
Outras cidades brasileiras tiveram perdas equivalentes. O Rio, a antiga "pérola do Atlântico", perdeu suas idéias, perdeu sua luz como centro da cultura nacional; perdeu parte de sua irradiação.
Não havendo valores positivos para emular, não havendo a "virtude pública" que os gregos tanto perseguiam, a cidade entrou em processo de perda dos valores da civilidade. Para sair do buraco, não vai bastar apenas repressão policial ou recuperação econômica.
Será preciso, sim, um banho de cidadania: que seus cidadãos sintam estar participando de um esforço de construção de algo melhor. Que a participação seja ampla: para isso, pode se aproveitar o que Roberto Mangabeira Unger chama de "dinamismo experimentalista" do povo brasileiro (aliás, o artigo dele para o caderno Mais! de domingo passado levanta temas dos mais importantes).
Não pense o leitor que essa temática seja alheia à economia. Pelo contrário, no presente, cada vez mais se reconhece nos novos modelos de crescimento econômico o papel das instituições e, dentre essas, a motivação social. Evidentemente, isso não é unanimidade entre economistas, mas tem hoje suficiente amparo na pesquisa.
Uma das temáticas de ponta hoje em economia é levar em conta fatores como economias crescentes de escala, o extravasamento dos efeitos do progresso tecnológico sobre a produtividade, a motivação do grupo social ou a relevância das redes sociais de cidadania.
Esse último aspecto tem recebido o cognome de "capital social", acrescentando um terceiro grupo às definições de capital físico (máquinas e equipamentos) e capital humano (educação e experiência da mão-de-obra). Do mesmo modo, as formas descentralizadas de produção têm se tornado crescentemente importantes.
Basicamente, chama-se a atenção para os efeitos que decorrem da interação social e de um clima favorável à criatividade, que também beneficia o progresso tecnológico e a difusão das inovações. No Brasil, por exemplo, Juscelino Kubistchek incendiou a imaginação nacional com seu programa de "50 anos em cinco".
Não se trata de voltar aos anos 50. Mas seria útil que o novo presidente meditasse sobre seus anos na Sorbonne e sobre o lema da época, que dizia "a imaginação no poder".
Eisenstein, perguntado sobre o que trazia progresso para a ciência, costumava dizer que "a imaginação é mais importante que o conhecimento". O Brasil espera algo maior de seu próximo presidente, não apenas ser guiado pela frase medrosa segundo a qual a "política é a arte do possível".
Luciano Martins, cientista político da Unicamp, costuma citar uma frase do período getulista, que dizia: "no Brasil as idéias ficam dez anos retidas na Alfândega!". Isso não precisa ser assim. A busca de uma agenda positiva pode ser feita tomando alguns temas centrais. Aliás, fazemos votos que o próximo debate a ser promovido pelo Ipea sobre idéias para o próximo mandato não repita apenas o pensamento dos "jovens" dos anos 50.
A extensão da cidadania, a construção de redes cívicas que permitam maior participação e maior responsabilidade aos cidadãos; descentralização, reconhecimento da validade da crítica e transparência nos negócios públicos. Temos que recriar os valores a serem emulados e a responsabilização pela quebra das regras sociais.
Seria bom se recriássemos esse tipo de motivação inspirada no país. O crescimento econômico, por sua vez, viria em decorrência. Caso contrário, podemos repetir o que ocorreu com Bill Clinton, despertou muitas esperanças mas não revelou imaginação no poder.
PS: Inspirado mesmo está o novo disco de Caetano Velloso, "Fina Estampa". Lançado por aqui, já está entre os dez mais vendidos da seção latina da "Tower Records". O disco traz jóias da sonoridade das Américas, fazendo algo parecido com o "rejuvenescimento urbano" com canções semi-esquecidas.

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