São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Mestres ensinam que imposto bom é o velho

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma lição dos velhos mestres das finanças, esquecida pela tecnocracia legisladora deste país, é a de que "imposto bom é imposto velho".
Essa frase, aparentando um conteúdo conservador, em realidade encerra uma lição de sabedoria, prudência e didática. O seu conservadorismo é só de aparência.
No Brasil de hoje, ela consagra princípios fundamentais à proteção do contribuinte e, paradoxalmente, uma diretriz de contenção do apetite voraz da tecnocracia de obter incrementos de arrecadação manipulando a norma tributária, de sorte a elevar olimpicamente a carga tributária do segmento da população que não tem como fugir ao pagamento do tributo.
Os nossos legisladores e a tecnocracia legisladora têm esquecido um dado elementar do sistema tributário brasileiro, o de que o contribuinte, na maioria esmagadora dos impostos, é quem faz tudo: pratica os fatos geradores, registra-os nos seus livros ou apontamentos, declara-os ao fisco e, finalmente, paga o montante de impostos correspondentes. É o que vulgarmente se chama de autolançamento.
Elementar que, com tal mecanismo, é fundamental, para o bom cumprimento das obrigações tributárias, que o contribuinte tenha possibilidade física e mental de conhecer a legislação de regência existente.
E o processo de compreensão, familiaridade e empatia é demorado e sofrido. Pagar tributo não é um ato prazeiroso. Que o digam os ricos. Podem até pagar, mas, regra geral, se evadem ou pagam a menor.
A constante mutabilidade das regras tributárias (e em volume significativo) compromete a efetiva possibilidade de conhecimento e domínio do seu conteúdo por parte do contribuinte.
Se se somar à tal variabilidade uma tendência, que vem de longo prazo, de que as mudanças consagradas nas leis tributárias têm sido, na maior parte das vezes, no sentido de elevar a carga tributária, verifica-se que cada vez fica mais difícil a espontaneidade no cumprimento das obrigações tributárias, seja pela dificuldade de acompanhar as alterações realizadas, seja pela resistência natural decorrente de se sentir uma elevação da carga tributária, que já raia ao insuportável.
Grande parte da ineficácia do sistema tributário brasileiro pode ser atribuída à sua variabilidade permanente e à carga tributária excessiva para os que cumprem corretamente suas obrigações. Esses contribuintes corretos terminam pagando imposto pelo que lhes devia caber, acrescido de outra parte para compensar a evasão praticada por terceiros.
Dito de outra forma, a carga tributária individual é elevada, pois ao contribuinte leal é atribuída uma dose dupla de imposto: a sua e a correspondente à evasão praticada por outrem.
A mudança permanente da legislação atenta contra um princípio jurídico e financeiro –o da segurança jurídica. A estabilidade da regra tributária é importante para que os contribuintes possam ter garantia de sua permanência e de que não haverá mudanças intempestivas e bruscas no disciplinamento tributário.
A instabilidade da regra tributária cria uma atmosfera de insegurança, comprometendo a eficácia do sistema tributário, ao provocar resistências da parte do contribuinte às constantes mutações verificadas.
Um outro princípio fundamental afetado pela mercurialidade do legislador fiscal é o da previsibilidade tributária. Tanto as empresas quanto as pessoas naturais devem poder realizar as suas projeções relativas ao pagamento dos impostos fazendo suas previsões e, os mais cautelosos, reservar provisões financeiras para responder aos encargos tributários.
A educação tributária do contribuinte repousa no conhecimento das regras básicas dos impostos que lhe afetam a vida, mas também em um mínimo que possa ter de boa-fé e confiança na manutenção das regras do jogo. Regras alteradas no curso do jogo despertam desconfiança e rejeição.
A prática futebolística considera que o jogo deve ser ganho no campo. Jamais no "tapetão". Aliás, as regras do futebol, estabelecidas pelos velhinhos do "International Board", são poucas e simples. Ao longo do tempo, sofreram poucas alterações. Daí o futebol ter se tornado um esporte universal.
Um fato interessante tem ocorrido nos últimos tempos, principalmente após a edição da Constituição de 1988. As inovações tributárias, todas elas, foram contestadas no Judiciário. Mesmo alterações com suporte constitucional ocasionaram litígios judiciários.
A propósito, o Supremo Tribunal Federal chegou a considerar, com relação ao IPMF, inconstitucionais as regras introduzidas pela emenda constitucional nº 03/93, destinadas a excluir o citado imposto do princípio da anterioridade da lei e da aplicação do princípio da imunidade recíproca.
"Imposto bom é imposto velho". Regra a ser aprendida e praticada pela tecnocracia legisladora e parlamentares, para que não haja instabilidade e insegurança na obtenção da arrecadação esperada.
Para atenuar a restrição às mudanças, vale lembrar a lição de Lampeduzza, em "O Leopardo", quando prescreve que os conservadores devem mudar para permanecer no mesmo lugar.
É necessário reduzir a carga tributária das empresas. Embora não a suportem em definitivo, a oneração do seu capital de giro ocorre. E sabe-se que carga tributária elevada induz à evasão e sonegação. E distorce a concorrência, pois dá maior poder competitivo ao evasor.
E aliviar, também, a carga tributária das pessoas naturais, principalmente a incidente sobre o trabalho, maior responsável pela arrecadação do Imposto de Renda da pessoa física.
E simplificar as chamadas obrigações tributárias acessórias. Manter apenas as que forem imprescindíveis ao efetivo controle dos contribuintes. As ineficazes, as que foram úteis em outras épocas, as supérfluas, jogá-las no lixo burocrático, como exemplo de um Estado modernizador.
E, finalmente, realizar o que o PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais) vem propondo. Combater a evasão e a sonegação num pacto social, com a colaboração do povo, de modo a, alcançado um determinado patamar de arrecadação previamente negociado, reduzir-se a carga tributária atual, elevada, injusta e mal distribuída.
Urge, pois, romper com o passado rotineiro, autoritário e ilegítimo, para assegurar ao país a condição de Estado moderno, democrático e civilizado.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília, advogado e ex-secretário da Receita Federal.

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