São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994 |
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Chefes são incapazes de controlar torcidas CLAUDIO JULIO TOGNOLLI CLAUDIO JULIO TOGNOLLI; RODRIGO BERTOLOTTO
A reportagem da Folha se inscreveu nas três maiores torcidas de São Paulo: Gaviões da Fiel, do Corinthians, Mancha Verde, do Palmeiras, e Tricolor Independente, do São Paulo. No último mês, incógnitos, os repórteres se infiltraram entre os torcedores, nas sedes das agremiações e nos estádios. A conclusão foi uma: os chefes das torcidas não têm controle sobre os associados. Ou simplesmente fazem vista grossa à violência. Paga-se R$ 11,00 para ser admitido na Gaviões da Fiel. O novato preenche ficha, entrega duas fotos e é convidado a participar de duas reuniões, para poder receber a carteirinha de sócio e a camiseta. Mesmo sem esses instrumentos, já lhe dão o direito de viajar e ir às reuniões na quadra da torcida, na Barra Funda (zona oeste). Numa das reuniões, ocorrida na noite do dia 1º de novembro, surgiu o primeiro sinal da falta de controle dos dirigentes. Era um dia chuvoso, com samba e cerveja. No canto da quadra de futebol de salão, os torcedores estavam furiosos. Diziam à diretoria que queriam "meter porrada" nos corintianos que, sem serem filiados, usa camisas da Gaviões. "Dentinho", o presidente da torcida, pedia paz. E deliberou que os "falsários" teriam apenas a camiseta confiscada. Mas, em quatro jogos em que a Folha acompanhou a Gaviões, prevaleceu a chamada "lei da porrada". Na Mancha Verde, tida como a mais violenta torcida de São Paulo, o processo de filiação foi mais barato e simples: a inscrição custa R$ 9,00 e, no ato do pagamento, já dispõe da carteirinha. Na documento do torcedor se lê "Mancha Verde, nem melhor, nem pior, apenas diferente". Atrás está carimbado o telefone da sede. Segundo Antonio, um "mancha" desde a fundação do grupo, em 1983, os números na carteirinha "são para chamar reforço, no caso de estar tomando porrada". O único documento exigido nas torcidas é a carteira de identidade. O suposto passado criminal do novo associado não é checado. "Não fazemos isso porque sabemos que a maioria tem passagem, o que é melhor", brincou Alexandre, que atendia ao telefone da Mancha no dia 7 de novembro. As palavras de ordem gritadas nos estádios são de guerra. Nas torcidas é incentivado, com anuência dos chefes, que se "cubra de porrada" o torcedor rival. No jogo entre Corinthians e Palmeiras, no domingo passado, no Morumbi, a reportagem da Folha frequentou as arquibancadas das duas torcidas. Apesar de terem vencido por 4 a 1, os palmeirenses berravam no estádio "porrada na paz!" e diziam que destino de palmeirense era "cobrir gavião de porrada". Imperava o que Dentinho, da Gaviões, não queria: os falsos gaviões eram perseguidos a socos. Enquanto isso, do outro lado, os palmeirenses gritavam "ão, ão, ão, se matam, gavião". Resultado: na saída do jogo, gaviões buscavam palmeirenses na avenida Eusebio Matoso, berrando "um porco morre hoje". Os chefes não têm controle sobre os associados, e nem por eles querem se responsabilizar. No dia 1º de novembro a reportagem da Folha viajou com os gaviões a Curitiba, numa caravana de 15 ônibus (veja texto ao lado). O empate sem gols com o Paraná enervou as duas torcidas. Na saída do jogo, por volta das 17h30, o torcedor Carlos Carvalho Jr., o "Alemão", 21, foi cercado por torcedores do Paraná. Queriam arrancar-lhe a camiseta e começaram a atirar garrafas nele. Os policiais não fizeram nada para protegê-lo, mas quando ele reagiu e acertou uma garrafada no torcedor paranaense, foi detido e levado à delegacia. Os amigos de "Alemão" avisaram ao responsável pelo ônibus 11, da Gaviões, o Paulinho, que o torcedor estava preso, no 6º Distrito Policial, a 10 km do estádio. Paulinho prometeu ir resgatá-lo com o ônibus. "Pode esperar lá que todo mundo nesse ônibus é de minha responsabilidade". "Alemão" ficou preso por cinco horas, acusado de tentativa de homicídio. O ônibus da Gaviões não foi buscá-lo. O torcedor só saiu da cadeia porque a reportagem da Folha se ofereceu para depor a seu favor, relatando que ele não era réu, mas vítima que agiu em defesa própria. "Alemão" foi abandonado sem dinheiro para voltar a São Paulo. Viajou e jantou com dinheiro emprestado pelo repórter. O torcedor, há um ano na Gaviões, jurou que sairia da torcida. "Quase dou a vida pelo Corinthians, sempre, mas quando precisei nenhum corintiano me ajudou, os gaviões não ajudaram". Na quarta-feira passada, na vitória do São Paulo por 3 a 1 diante do Grêmio, o repórter da Folha infiltrado na torcida Tricolor Independente vivenciou a chamada "hora do louco". Os integrantes mais jovens da Independente, entre 10 e 15 anos, cantam "louco, louco, louco, Independente!" e abre-se um clarão na arquibancada. A troca de murros, chutes e empurrões é a comemoração dos membros mais valentes, que não vêem perspectiva de briga com a torcida adversária –ausente. O clima na arquibancada contrastou com o jogo contra a Portuguesa, perdido por 2 a 0, na semana anterior. Nele, a torcida, desanimada com o resultado, não terminava um refrão de música e a reduzida torcida adversária fazia-se ouvir do outro lado do estádio. Entrou em ação o animador da Independente. Segurando os outros pela gola da camisa, empurrando e pedindo orgulho à torcida, o torcedor veterano, visivelmente alcoolizado, criou uma euforia repentina na base da ameaça física. Cada vez que ele se aproximava quem estava parado fingia logo empolgação para evitar uma briga. A saída para os jogos é atrás do Teatro Municipal, a um quarteirão da sede, no centro da cidade. O repórter foi em um dos ônibus fretados, que saíram atrasados pela demora de alguns passegeiros que ainda bebiam em um bar. No trajeto até o Morumbi, os uniformizados enfrentaram o trânsito da avenida Nove de julho insultando as pessoas nos carros e nos pontos de ônibus. A cada esquina enxergavam um corintiano ou palmeirense no meio do pedrestes. Os corintianos são os "galinhas", uma gozação à Gaviões. Os palmeirenses, "porcos". Texto Anterior: Paraná recebe o Inter de olho na classificação Próximo Texto: Mancha xinga o Corinthians o tempo todo Índice |
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