São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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O feminismo silencioso do século 18

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"A Longa Vida de Marianna UcrÌa", romance de Dacia Maraini, ex-mulher do escritor italiano Alberto Moravia (1907-1990), é inspirado na vida de Marianna Alliata Valguarnera, antepassada da autora e surda-muda que viveu na Sicília (Itália) no século 18.
A personagem Marianna UcrÌa fica surda-muda aos cinco anos de idade, depois de ser violentada por um tio. Aprende a se comunicar com o mundo através de bilhetes, é obrigada a se casar aos 13 anos com esse mesmo tio, tem muitos filhos e só descobre o amor mais tarde, ao se apaixonar por um criado.
Haveria material suficiente aí, especialmente no que se refere aos vários códigos linguísticos (a linguagem dos surdos-mudos, a linguagem dos bilhetes), para se montar um romance interessante. Mas não foi isso que fez Dacia Maraini.
Com a intenção de escrever romance histórico, para o qual levou anos pesquisando a história e os costumes da época, Maraini acaba se dedicando à descrição enfadonha da árvore genealógica de sua própria família. É longa a enumeração de fatos e episódios corriqueiros, sem qualquer importância para a tessitura do romance, que narram da vida da avó à vida da bisavó, passando por irmãos, tios, primos, filhos etc.
"Em Cápua fizeram amizade com um grupo de atores", o narrador conta, descrevendo uma viagem de Marianna e Fila, sua criada. "(...) Em Gaeta decidiram embarcar numa falupa (...). No barco jogava-se cartas e biriba o dia todo (...). Em Roma hospedaram-se na mesma pensão (...). Uma noite Marianna e Fila foram convidadas a ir ao teatro (...). Depois do espetáculo, Marianna e Fila foram convidadas para a taberna (...)." E assim por diante, nesse tom de redação escolar.
A narrativa é lugar-comum, sem vida, sem emoção, confiando talvez excessivamente no caráter de denúncia da "condição feminina" (sem vez nem voz no mundo machista de dois séculos atrás), que parece ser marca da literatura de Maraini –a escritora, que também é poetisa, dramaturga e jornalista, é conhecida militante feminista italiana.
Lançado em 1990 na Itália, "A Longa Vida de Marianna Ucrìa" foi best-seller traduzido para 19 línguas. Entre os trabalhos de Dacia Maraini estão "Cercando Ema"(romance, 1993) e "Stravaganze" (1978), peça montada no Brasil em 1988, sob direção de Luiz Carlos Ripper.

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