São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Um conto de fadas no quilombo

YUDITH ROSENBAUM
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Há muitos e muitos anos, quando tudo em Iagos era ouro e a serra reluzia verde de esmeraldas, há muitos e muitos anos habitava aqui um lobisomem".
Assim começa Dandara, primeiro livro de ficção de Janaína Amado, que conta a história de amor entre um lobisomem (que de dia transforma-se em Pedro, garimpeiro de Iagos) e a quilombola Dandara, filha de escravo fugido e moradora no Quibano, quilombo situado na Serra das Esmeraldas.
Esse início, como se vê, dirige-se a um "ouvinte-leitor", ansioso por reencontrar a antiga tradição das narrativas orais (principal inspiradora dessa obra) e mergulhar no tecido milenar formado por tantos mitos, lendas, fábulas e contos de fadas.
Se é verdade, como previa o filósofo Walter Benjamin já na década de 30, que "a arte de narrar está em vias de extinção", toda tentativa de contar histórias (quando já não se crê mais na capacidade de representar a vida) merece atenção e interesse. Nem sempre, porém, o resultado está à altura do intento.
É o caso desse romance, que oscila entre, de um lado, uma aventura romanesca fluente, leve e envolvente, e de outro, a previsibilidade de certos clichês do imaginário popular. Toda a riqueza dos elementos típicos (Iansãs, Obás, Velhos sábios, Orixás) acaba diluída pelo abuso de fórmulas conhecidas e muitas vezes ingênuas. Alguns exemplos: "Filha, a gente é dois. Por dentro é um, por fora é outro", diz a amiga e conselheira Eufrásia para a jovem Dandara; ou ainda, a referência a Dadiê, fundador do Quilombo: "Não se vive 72 anos impunemente"...
Há ainda alguns problemas de estilo, como enumerações excessivas, tanto de verbos quanto de adjetivos, o que também contribui para um certo desgaste da linguagem.
Sem dúvida, a trama do enredo é bem construída, sabendo alternar o lúdico com o suspense. O leitor, levado por um narrador onisciente, mas que não esconde suas preferências, facilmente empatiza com o sonho coletivo de libertação dos escravos na época da mineração no Brasil (aqui, a formação de historiadora da autora permite um maior adensamento da narrativa).
Filha de escritor e poetisa, e sobrinha de Jorge Amado, Janaína Amado sabe bem entreter um leitor sedento de aventura e erotismo, mesclando pesquisa histórica e vôo imaginativo.
Ainda que tenha o mérito inconteste de reacender a chama das histórias, falta à autora o amadurecimento de recursos literários que acabam por definir o salto entre o bom escritor e o grande romancista.

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