São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Grifes criam moda sem agrotóxico

JASPER PLEYDELL-BOUVERIE
DA NEW SCIENTIST

Erramos: 20/11/94

A montagem fotográfica publicada saiu sem legenda. Ela é baseada em foto da campanha publicitária de Katherine Hamnett, estilista britânica que lançou coleção de jeans com algodão sem agrotóxico.
Na última coleção de verão européia, Katherine Hamnett, uma das mais conhecidas estilistas britânicas, começou a vender jeans diferentes. A diferença não está no corte ou na cor, mas no tecido de que são feitos: algodão orgânico –cultivado sem agrotóxicos.
Os jeans custam cerca de R$ 115,00 –R$ 20,00 a mais do que os jeans de mesmo corte feitos de algodão convencional.
Hamnett é uma das primeiras estilistas européias a pesquisar as possibilidades do algodão orgânico, mas algumas empresas nos EUA vêm trabalhando com o tecido há dois anos e têm planos ambiciosos para o futuro.
A Gap, fabricante e proprietária de uma grande cadeia de lojas de moda masculina e feminina na América do Norte e Europa, pretende introduzir o algodão orgânico em toda sua linha de roupas.
A casa americana Esprit começou a vender roupas orgânicas sob sua nova grife Ecollection e até 1996 pretende produzir todas suas camisetas, malhas e jeans em algodão orgânico.
O entusiasmo dos estilistas pelo algodão orgânico significa que existe uma demanda crescente por uma matéria-prima que, na realidade, é muito rara. A Esprit sozinha estima que até 1996 vai precisar de cerca de 125 mil toneladas –quantidade que ultrapassa de longe os níveis atuais de produção do algodão orgânico.
Há quatro anos o algodão orgânico praticamente não existia. Embora a oferta venha quadruplicando anualmente desde então, o algodão orgânico ainda responde por apenas cerca de 15 mil toneladas de algodão das 18,2 bilhões produzidas no mundo anualmente.
É fácil entender por que o mundo da moda está tão interessado no algodão orgânico. Numa indústria movida pelas tendências, o que poderia haver de melhor do que um tecido que incorpora a maior tendência deste final de século –o ambientalismo? Mas para a indústria algodoeira, uma das maiores usuárias mundiais de agrotóxicos, tornar-se orgânica é bastante complicado.
Pragas
O algodão no campo geralmente tende a ser vitimado por infestações de ervas daninhas que crescem em abundância devido à irrigação maciça necessária ao algodão, durante todo seu ciclo de crescimento. Além disso há toda uma gama de insetos que se alimentam do algodão.
As lagartas que infestam o algodão são notoriamente difíceis de controlar: atacam a plantação no estágio larval, penetrando nos casulos do algodão, onde não podem ser alcançados nem por pesticidas nem por predadores. Não é raro ocorrer perdas de safra de até 70%.
Para combater as pragas e as ervas daninhas, os produtores de algodão usam quantidades enormes de agrotóxicos –até 25% da produção mundial anual de pesticidas e 10% da de herbicidas.
Uma vez colhido, e depois de completados os processos mecânicos –o descaroçamento, a cardagem, a torcedura, a fiação e a tecedura–, os produtos químicos continuam presentes. A cor natural do algodão cru é um branco cremoso, mas poucas pessoas aceitam muitas peças de roupa numa cor tão pouco chamativa.
Assim, a maior parte dos fios e tecidos de algodão são alvejados quimicamente e depois tingidos.
Câncer
Ninguém questiona a necessidade de reduzir o alto grau de utilização de substâncias químicas na produção do algodão. As autoridades sanitárias norte-americanas detectaram uma incidência preocupante de câncer entre os trabalhadores no algodão que manejam sprays químicos. Nos países em desenvolvimento, especialmente, os pesticidas já penetraram na cadeia alimentar, através da água.
O ideal seria se os produtores de algodão pudessem abrir mão completamente da utilização de agrotóxicos, e essa é a filosofia da Federação Internacional de Movimentos Agrícolas Orgânicos (Ifoam).
Segundo suas diretrizes, adotadas pela União Européia e pelas diversas autoridades federais responsáveis pela agricultura orgânica nos EUA, para um produto agrícola ser qualificado de orgânico é preciso que não tenha tido contato com qualquer substância química. Mais: o solo em que é plantado precisa ter estado livre de agrotóxicos por mais de de três anos antes da semeadura.
Para muitos produtores isso significa um retorno aos métodos praticados antes da 2ª Guerra Mundial, quando a maior parte da produção agrícola era orgânica.
Para fertilizante, usa-se esterco de galinhas. As ervas daninhas são controladas manualmente, com enxada, pois não existe nenhum tratamento realmente orgânico disponível no mercado. Para o controle de pragas, um método que frequentemente funciona é soltar sobre a plantação insetos que são predadores naturais das pragas.
Na era da agricultura moderna, esse método pode parecer primitivo, mas muitos produtores encontram incentivo em suas histórias familiares. Meu avô não tinha pesticidas nem herbicidas, mas sua produção dava certo, diz Claude Shepherd, produtor de algodão orgânico no vale de San Joaquin, na Califórnia. Acho que eu também posso conseguir.
Os métodos orgânicos não são inefetivos. O esterco de galinha e o cultivo manual são alternativas muito conhecidas aos agrotóxicos, e pode-se argumentar que sua única desvantagem é o custo. Para combater as pragas, os cientistas estão propondo a adoção de controles biológicos.
Um tipo de minúsculas vespas parasíticas, por exemplo, funciona bem contra a maioria das pragas que afetam o algodão, e está sendo utilizado em grande escala no Uzbequistão. Os pesquisadores também descobriram como imitar os feromônios (hormônios sexuais) que lagartas fêmeas utilizam para seduzir os machos. A colocação de pedacinhos de plástico impregnados de feromônio sintético em intervalos, numa plantação de algodão, confunde os machos e atrapalha o acasalamento de oito das espécies mais importantes de lagartas.
Embora a maioria dos feromônios ainda seja cara demais para ser usada extensamente, os produtores egípcios já estão usando um deles, que funciona bem, em 140 mil hectares –quase metade da área ocupada por plantações de algodão no país.
Pelo menos alguns produtores parecem estar tendo retorno sobre seus gastos. Shepherd, por exemplo, aumentou sua produtividade desde que começou a cultivar algodão organicamente em 300 hectares no vale de San Joaquin, quatro anos atrás. No primeiro ano depois de adotar os métodos orgânicos, sua produtividade aumentou de 900 kg de algodão por hectare para cerca de 1.200 kg. Desde então, ele já chegou a produzir 1.350 kg por hectare, numa estação. Essa produtividade impressionante se traduz em lucros consideráveis, pois o algodão orgânico é vendido por um preço pelo menos 40% superior às fibras cultivadas pelos processos convencionais. No ano passado Shepherd recebeu US$ 2,77 por kg por seu algodão, contra US$ 1,32 pagos aos produtores convencionais da região.
O entomologista Sean Swezey, do Programa de Agroecologia da Universidade da Califórnia em Davis, que acompanha a safra de Shepherd há dois anos, está impressionado. Ele comparou a safra orgânica com duas safras convencionais, cultivadas em regiões vizinhas, e constatou nenhuma perda significativa em termos de desempenho das plantas, medido por altura do crescimento, retenção de casulos ou produtividade. Observamos níveis mais altos de algumas pragas, mas elas não parecem haver causado danos maiores. Alguns custos de mão-de-obra aumentaram, mas foram mais do que compensados pelo preço do produto no mercado.
Moda
Talvez o fator mais crucial a determinar se os produtores vão ou não passar a cultivar algodão orgânico será a capacidade de venda da idéia, pelo mundo da moda.
Apesar da dificuldade atual de conseguir o tecido orgânico, os estilistas e fabricantes acreditam que uma vez que a demanda tenha sido estimulada, os produtores de algodão encontrarão meios de resolver o problema. "Cabe a nós convencer as pessoas a usarem roupas orgânicas, diz Linda Grose, que montou a Ecollection, da Esprit.
Mas essa tarefa pode se mostrar árdua. A maioria dos fregueses ignora o mal que o cultivo do algodão causa ao meio ambiente. Além disso, nada garante que o público vá comprar roupas orgânicas por razões puramente ecológicas. Diz Janie Blackburn, diretora da Natural Fact, que vende roupas ecológicas em Londres, quando se trata de roupa, as pessoas são egoístas. A prioridade é a beleza. Não é como comprar frutas e verduras orgânicas.
Não é fácil fazer roupas orgânicas ficarem tão bonitas quanto as roupas produzidas com tecidos convencionais. Não se trata apenas de usar métodos orgânicos no cultivo do algodão –é preciso encontrar alternativas orgânicas também no lado manufatureiro: as indústrias de descaroçamento, fiação, alvejamento e tintura.
O que estamos tentando fazer é modificar a própria base de nossa indústria, diz Grose. É claro que essas transformações não vão se dar da noite para o dia.
As pessoas já engajadas no cultivo e promoção do algodão orgânico reconhecem que o produto não representa uma oportunidade de marketing muito evidente –afinal, ele custa mais do que o algodão convencional e é muito difícil de encontrar. Mas elas esperam promover mudanças, fazendo publicidade do lado limpo de uma indústria suja.
Tradução de Clara Allain

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