São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Mudança

Faltando apenas a conclusão da apuração proporcional no Rio, as eleições deste ano já desenham para o país um perfil político sensivelmente diferente daquele que surgiu do pleito anterior. Se algumas mudanças são evidentes e imediatas, como as alterações no jogo de forças partidário, outras geram efeitos que se manifestam de modo mais gradual, embora não menos impactante para o país.
É o caso do desgaste de alguns dos principais atores do cenário político dos últimos anos, como Orestes Quércia, Leonel Brizola, Lula e talvez Maluf. Esse vácuo tende a abrir espaço para o surgimento de novas lideranças no que seria uma saudável e necessária renovação de quadros da política nacional.
O partido que mais alterou seu status é sem dúvida o PSDB. De uma força de nível apenas médio, a legenda tucana, com o Planalto, seis governos de Estado (incluindo os três mais populosos) e a terceira bancada no Congresso, tornou-se a agremiação que concentra maior poder no país. Detém também a maior responsabilidade com relação ao futuro do Brasil.
Embora tenha em Fernando Henrique Cardoso sua principal estrela, o PSDB consolidou diversos novos núcleos de força, como os governadores de São Paulo, Minas, Rio e Ceará, além de um ministro da Fazenda de futuro ainda incerto. É claro que o desempenho de cada um deles daqui para frente será determinante para seu futuro, mas o PSDB já acena com uma ninhada de nomes que poderão frequentar os noticiários nos próximos anos.
Apesar da derrota de Lula, também o PT sai como vitorioso. Ao seu solitário senador, as votações majoritárias somaram mais quatro nomes e dois governadores, além de deputados que devem compor a quarta ou quinta bancada da Câmara. Ao contrário do PSDB, porém, o PT sofre de uma carência de lideranças. Se não se pode de pronto retirar Lula do tabuleiro, é certo que ele sai chamuscado pela segunda derrota consecutiva e não tem ainda um herdeiro inconteste.
Situação mais clara é a de Orestes Quércia e Leonel Brizola, violentamente repudiados pelas urnas. Enfraquecido o cacique, o PDT deve passar por uma reformulação, o que pode dar espaço para forças regionais como Jaime Lerner.
Acéfalo, mas ainda a maior bancada na Câmara e o maior colégio de governadores, o PMDB é a grande incógnita do próximo mandato. Antônio Britto parece despontar como a liderança regional mais forte, mas é muito duvidoso se terá cacife bastante para unificar um partido tradicionalmente fragmentado.
Já José Sarney tem um pé no PMDB e outro no PFL, mantendo certa influência em ambos. Nesta última sigla destaca-se também um Antônio Carlos Magalhães vitorioso nas urnas baianas. O peso nacional efetivo dessa velha guarda resta por definir, mas nomes ascendentes como o do filho de ACM, Luís Eduardo, acenam com algum ar fresco mesmo no embolorado PFL.
Há ainda Maluf, que, embora sem se candidatar, vinculou-se a dois fracassos retumbantes no plano paulista e federal. Decerto não ganhou com as eleições e viu seu partido ser varrido para o norte, obtendo governos só na Amazônia.
Mesmo que incompleto, esse balanço vem reforçar o processo de transformação política e social que o país atravessa nos últimos tempos, que se caracteriza pelo esgotamento face a práticas tradicionais e pelo anseio por um novo modelo político-administrativo que inclui, mas não se limita ao aspecto ético.
Assim, figuras identificadas com o "ancien régime" tendem cada vez mais a perder espaço e o país se prepara para ver mudarem os nomes que frequentam os noticiários políticos. Com exceções pontuais, o recado das urnas veio em alto e bom som: mudança.
Se a mudança vem mesmo, e como, vai depender também de que os eleitores dêem prosseguimento ao voto, fiscalizando seus mandatários. Mas basta ver as vergonhosas condições de vida no país para confirmar que, se vier, já vem tarde.

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