São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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Os novos pioneiros - 2

LUÍS NASSIF

DE LAS VEGAS – Há dois anos ocorreu o maior feito até agora registrado pela indústria de informática nacional. Um pequeno fabricante de software paulista, a Microbase, venceu licitação para o fornecimento de rede gerenciadora de micros para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, concorrendo com 12 empresas americanas. Poucos souberam disso.
A Microbase foi criada em 1982, dois anos antes do início da reserva da informática, por três técnicos egressos de mainframes (computadores grandes). Sabiam eles que a nova tecnologia de micros consistia apenas em uma recriação inovadora de velhos princípios desenvolvidos há anos para mainframes.
Trata-se de uma característica fundamental para o Brasil porque, ao contrário de outros ciclos tecnológicos, não exige recursos vultosos para desenvolvimento. O conhecimento básico é de domínio público. O mano a mano é na criatividade, permitindo a países em desenvolvimento competirem sem grandes desvantagens iniciais com os grandes países industrializados.
Tanto assim que o primeiro produto da empresa foi o Cobol-MB –uma linguagem e não um mero aplicativo. Nos anos 80, bem antes do boom das redes de micros interligadas , a Microbase cometia outros atrevimentos, criando sistemas operacionais monousuários (o CPM), e, depois, o seu MDOS, uma versão DOS multiusuário para velhíssimas máquinas de oito bits, feito extraordinário para a época, mas pouco valorizado pela falta de familiaridade da opinião pública com a nova tecnologia.
Quando surgiram os equipamentos PCs de 16 bits, a Microbase lançou sua primeira linha –a NET-MB– que tornou-se líder de mercado no Brasil. A segunda versão da rede –o Virtuos– tinha algumas características excepcionais, desenvolvidas para superar os desafios proporcionados pelas características da automação bancária brasileira –o grande cliente da indústria de software nacional.
Em geral, redes de micros estão amarradas a um micro central, denominado servidor. A fim de aumentar a segurança nas transações, a Microbase desenvolveu uma rede na qual cada terminal podia funcionar como servidor.
Além disso, os terminais bancários necessitam efetuar muitas tarefas simultaneamente –consultar o mainframe, conferir o saldo, autorizar a transação. O desafio de atender a essas questões fez com que a Microbase desenvolvesse um sistema operacional multitarefa –isto é, que podia realizar tarefas simultaneamente– característica conhecida em mainframes ou ambientes Unix, mas que só anos depois seria lançada pela IBM para os micros PCs, através de seu OS/2.
Com esses recursos o Virtuos passou a dominar 80% do mercado de automação bancária no país.
Em 1989, vésperas da abertura de mercado, a Microbase sentiu que era hora de enfrentar a Novell em qualquer parte do planeta, justamente para adquirir experiência para poder lutar internamente contra a concorrente. Em 1991 montou uma empresa na Carolina do Norte, com o objetivo expresso de ouvir críticas.
Naquele ano, participou da Comdex (a maior feita de software do mundo) e foi citada em uma publicação especial destinada a produtos que poderiam interessar à área governamental. O artigo foi lido por um técnico do Departamento de Defesa, que acabou convidando-a a participar de uma licitação.
A Microbase acabou vencendo a licitação. Vendeu 3 mil cópias para o Departamento de Defesa instalar seu Standard Property Booking System, que controla a movimentação de ativos de 700 bases instaladas nos quatro cantos do mundo. Depois, venceu também no atendimento pós-venda.
Vitoriosos, de volta ao Brasil, os sócios da Microbase convocaram a imprensa para divulgar o grande feito. Estavam confiantes de que mereceriam manchetes nos principais jornais. Saíram algumas tripinhas sem expressão.
O país ainda não estava preparado para entender o enorme potencial de seu software. Daqui há alguns anos, quando o Brasil ocupar lugar de expressão como fornecedor mundial de software, esse episódio estará devidamente reconhecido pela história.

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