São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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Cab Calloway foi precusor do videoclipe

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem viu e ouviu o serelepe Cab Calloway em São Paulo, seis anos atrás, teve certeza de que ele passaria fácil a barreira do século. Mas Calloway morreu na última sexta-feira, aos 86 anos, em uma casa de repouso em Hockessin, Delaware (EUA) em decorrência de uma pneumonia.
Cantando e dançando com toda aquela ginga malandra de quem se lançou no mitológico Cotton Club de Nova York, no início dos anos 30, o "rei do hi-de-ho" transbordava energia, em frequentes turnês pelo mundo.
Com Calloway foi enterrada de vez a chamada "era do swing" e suas "big bands", que dominaram as rádios, eletrolas e salões de dança até os anos 40. O mais alucinado, sorridente e vibrante dos grandes "band leaders" foi também o que riu por último.
Nos shows que fez no 150 Night Club, o velhinho relembrou alguns de seu hits, como "Jumpin' Jive" e "Minnie the Moocher", recheadas de referências cifradas a drogas, sem poupar a platéia de berrar os "hi-de-hoes", seus gritos de guerras.
Na década de 30, Cab ganhou a vida cantando e dançando para a platéia branca do rico Cotton Club. Mais ou menos como lembrou Francis Coppola no filme "Cotton Club" (de 1984), entre muitas rajadas de metralhadora.
Mas Calloway se divertia quando podia tocar para os negros, no Savoy Ballroom, ali mesmo no Harlem, onde venceu inúmeras "battles" (batalhas, literalmente) com outras "big bands".
Certa vez ele revelou sua estratégia infalível: "Uma orquestra consiste em bons músicos, precisa ter arranjos bacanas, deve ser bem ensaiada e dirigida por alguém competente", explicou.
Mas só isso não é suficiente. "Tem que tocar para a platéia e apelar para tudo que ela deseja. As pessoas não podem ser entretidas e seguras completamente só pelo som. É necessário alguma coisa para os olhos", completou.
Esse algo "para os olhos" era justamente a especialidade de Calloway –e o que acabava derrubando orquestras "mais sérias". Raros músicos da época tinham tamanhos dotes de "showman".
Para começar, seu guarda-roupa era um dos mais caros do Harlem. Some-se a isso sua dança suingada e libidinosa e as exibições de "hi-de-hoes", com as quais surrava e conquistava definitivamente a platéia. Era covardia. Por aí já se pode ver de onde Kid Creole, Prince ou Michael Jackson tiraram muitas de suas roupas, passos de dança e idéias.
Logo que alguém resolver escrever uma história dos videoclipes terá que necessariamente voltar até Calloway e suas loucuras em cena –uma das raízes dessa forma contemporânea de misturar música pop, dança e imagens.
Mas como o próprio Calloway enunciou em sua receita, não era só a "produção" que fazia uma grande banda. Por sua baqueta passaram vários cobras do "swing", como os saxofonistas Chu Berry e Ben Webster, o trombonista Quentin Jackson e o baterista Cozy Cole, ou mesmo um dos então garotos que logo se transformaria num dos pais do "bebop": Dizzy Gillespie.
Aliás, a passagem de Gillespie pela banda quase encurtou a vida de Calloway, literalmente. Além da fama de gozador que desfrutava (com toda a razão), Dizzy acostumou-se a ver o líder torcendo o nariz para suas modernas investidas harmônico-melódicas durante os improvisos (embriões do bebop). "Isso é música chinesa", dizia Calloway. E Dizzy sempre dava o troco em gozações.
Foi por essas e outras que Calloway nem pestanejou ao despedi-lo da banda, quando recebeu uma bolinha de papel com cuspe na nuca, durante um ensaio. Só que não tinha sido Dizzy. Enlouquecido com a injustiça, o trompetista puxou um canivete e partiu para cima do chefe.
Felizmente para todos, a "turma do deixa disso" foi mais rápida. Passaram duas décadas até que o "band leader" soubesse de seu erro e os dois fizessem as pazes. Daí em diante, todos os anos Dizzy tocava "Parabéns a Você", pelo telefone, para o mestre.
A Rede Globo poderia aproveitar a ocasião e reprisar o divertido "Os Irmãos Caras-de-Pau" (The Blues Brothers), de certo modo o testamento artístico de Calloway.
Nem mesmo a presença de "pop stars" como Ray Charles, James Brown ou Aretha Franklin ofuscaram o velhinho, que canta e dança seu hit "Minnie the Moocher" como nos bons tempos. Cab Calloway era osso duro de roer.

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