São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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Os partidos políticos (1)

FLORESTAN FERNANDES

As eleições desvendaram uma tipologia rudimentar das formações partidárias. Vistas no contexto histórico, só nominalmente elas são "nacionais".
O fato de poucas possuírem atributos orgânicos não lhes tira o teor de partidos. Correspondem, contudo, a meras técnicas sociais de negociação política para manutenção do poder.
Os partidos típicos do mandonismo são clientelísticos ou de patronagem. As relações entre candidatos e eleitores projetam-nos como os mais arcaicos.
A falta de uma cultura cívica objetiva e a concentração da cidadania no tope leva-os a dissimular que eles abrigam dois extremos: os candidatos –poderosos locais– e a massa de suporte –os pobres, dependentes e trabalhadores destituídos. À mercê dos mandões, são eleitores que compensam um dom recebido.
Outro modelo de partido apareceu mais recentemente, embora deite suas raízes no passado imperial e na República Velha.
Por ironia histórica, torna-se típico após a Revolução de 30, graças à figura carismática de Getúlio Vargas. Nele, o candidato alcança o poder pela sedução exercida por seu carisma, em uma situação na qual as classes trabalhadoras começam a se organizar.
Por sua relação direta com a massa popular, esse tipo de político difunde a crença em seus dotes de favorecimento do povo. Este é posto, todavia, como cauda do movimento burguês, fortalecido com a expansão do urbanismo e do industrialismo.
Muitos pensam que essa liderança entrou em colapso. A interpretação é equívoca, como atestam os exemplos de Miguel Arraes e Antônio Carlos Magalhães. O declínio de Leonel Brizola a corrobora, mais como indício do que processo terminal.
Além disso, elementos carismáticos persistentes fazem parte tanto de partidos clientelistas quanto de partidos orgânicos, por se prenderem a dotes pessoais.
Há também facções que operam dentro das duas modalidades de partidos mais antigos. Elas se apropriam de interesses e valores marginais àqueles e se autoproclamam "partidos políticos".
Por efeitos da atual situação histórica e das pressões que sobem de baixo para cima, emergem e evoluem partidos de classes que produzem e aperfeiçoam culturas cívicas próprias, ainda que oscilantes e parcialmente convergentes.
Trabalhadores urbanos, uma porção radical de trabalhadores rurais, estratos da pequena burguesia, diversas categorias sociais, profissionais ou não, por interesses, ideologias e utopias, necessitam de partidos orgânicos.
Remam contra a corrente tradicionalista, mas a favor das exigências históricas.
Esse é o caso do PT, do PPS, do PSB, do PC do B, do PCB. Constroem a racionalidade da história nova, a vigência da soberania popular e do sufrágio militante. Provocam, clara ou difusamente, lutas e dinamismos de classes.
O atraso do país incentiva um ou outro a se comprometer com seus antípodas, em alianças pelo controle do poder estatal. Esse é o preço da transição e de transformações em ebulição.

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