São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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Primeiros momentos

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Análise superficial e talvez prematura dos resultados da Operação Rio mostra a linha que os seus estrategistas adotaram para combater o tráfico dos morros. Pode-se argumentar que a liturgia saiu até exagerada, mas as primeiras ações (até agora) têm tido o caráter de intimidação. E atingiu parcialmente o primeiro objetivo: dificultou por algumas horas o acesso às redes de distribuição.
Sem consumo, os traficantes ficam sem caixa e sem caixa eles deixam de ser os robins hoods das favelas, ocupando o espaço que o Estado não teve condições de administrar. A população em volta das bocas-de-fumo perderá o medo ou não terá motivos para a gratidão.
Sem o apoio das populações civis nenhuma guerrilha consegue vencer –o conselho está nas cartilhas de Guevara, Marighela e Mao Tse-Tung. (Estranhamente, o negócio está funcionando meio às avessas.)
A droga ficará mais cara e haverá gente que pisará no pescoço da mãe para conseguir dinheiro que alimente o vício. Os traficantes venderão menos, mas a médio prazo ganharão a mesma coisa. Isso porque, até agora, nada se fez para combater o consumo.
Não se deve exigir para o drogado um tratamento igual ao dispensado ao traficante e ao produtor. Na legião dos viciados, há casos clínicos que devem ser examinados e respeitados.
O governo e grande parte da sociedade preferiram eleger o fumo como a besta negra do nosso tempo. O Ministério da Saúde faz advertências. Assanhadíssimo, o antitabagista é o novo Petrônio árbitro, ataca com truculência os fumantes.
Enquanto isso, o drogado alça-se da plebe careta e brega, torna-se membro do povo eleito. É igualado ao carente, vítima da sociedade que criou um mundo feio e chato, um mundo em preto-e-branco do qual a evasão é politicamente correta.
Por isso ou aquilo, ele, que financia o crime, permanece sem qualquer sanção, nem mesmo a moral. Reclama da violência e acha que paga um preço muito caro por morar na cidade.
Voltando à Operação Rio: as Forças Armadas deverão compreender que a missão é específica. O mais louvável lance será quando, cumprida a tarefa, os militares retornarem aos quartéis.

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