São Paulo, terça-feira, 22 de novembro de 1994
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Lugar errado

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO – A operação do Exército deste fim-de-semana no Rio pretende ser uma de várias batalhas que deverão compor uma guerra psicológica maior e mais ampla. Ao que tudo indica, os militares acreditam que, se o Estado conseguir chegar ao topo dos morros cariocas, os traficantes não atuariam mais com a mesma liberdade e até deixariam de contar com um certo respeito da população por serem os únicos hoje capazes de imprimir alguma ordem à área.
É evidente, e os militares sabem disso, que não basta as tropas visitarem as favelas de vez em quando para que o Estado chegue aonde jamais esteve. É preciso que segurança, escolas e saúde –um mínimo de perspectiva, enfim– também visitem os morros, e em caráter um pouco mais permanente.
Ainda assim, garbosos soldados rastejando pelas ruas como um Indiana Jones tentando alcançar o Templo da Perdição podem ser o início de uma subida do Estado ao morro. Ela é mais do que bem-vinda.
O problema é que os soldados não se limitaram a posar para os cinegrafistas. Eles também invadiram casas sem mostrar mandados de busca e prenderam pessoas na rua só porque estavam sem documentos. São arbitrariedades com as quais o Estado de Direito não pode conviver, apesar de os militares terem agido com uma gentileza até incomum.
Gentileza e boas intenções, porém, não são pretexto para agir ao arrepio da lei. Assaltantes podem ser gentis com suas vítimas e podem estar roubando por um bom motivo, como alimentar os filhos, por exemplo. Isso não os torna menos assaltantes.
De resto, esse tipo de operação, com ou sem excessos, jamais vai ser capaz de acabar ou mesmo de diminuir de forma substancial o tráfico de drogas no Rio ou no Brasil. Alguns traficantes podem, é claro, acabar sendo presos. Mas, neste caso, vai-se estar apenas esmagando uma pequena formiguinha e deixando a rainha poedeira em paz. Ou alguém acredita que os verdadeiros donos de um dos negócios mais rentáveis do mundo –o comércio de drogas– iriam morar numa favela? Estão procurando no lugar errado.

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