São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 1994
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Mel Gibson mostra talento como diretor

INÁCIO ARAUJO

Em "O Homem Sem Face" o ator faz o papel de um homem desfigurado e estréia na direção com sensibilidade

Filme: O Homem sem Face (The Man Without a Face)
Produção: EUA, 1993, 115 min.
Direção: Mel Gibson
Elenco: Mel Gibson, Nick Stahl, Fay Masterson, Margaret Whitton
Onde: Gemini 1 e Ipiranga 2
Nada mau, para início de conversa: quando sai de férias, Chuck –um adolescente solitário e com problemas na escola– topa com um homem que, na região, é conhecido como Freak (isto é, monstro).
Freak é um homem misterioso, com uma das faces deformadas, e vive apenas com seu cachorro. Sobre ele, correm as piores lendas que se pode imaginar –tanto entre adultos como entre as crianças (a monstruosidade faz os dois mundos se identificarem plenamente, no mesmo infantilismo).
Mas Chuck descobre que o Freak é também um ex-professor. Isto é, o homem capaz de lhe dar aulas e fazê-lo entrar na academia militar onde seu pai (já morto) estudou. Aos poucos, o garoto fica sabendo que o Freak se chama Justin McLeod. Mais do que isso, McLeod passa a desenvolver a função paterna –por rigor e por afeto– junto ao menino.
Nada é extraordinariamente original nessa história. O menino solitário, o adulto idem, o preenchimento da função paterna: livros e filmes nos informam o bastante sobre isso. Mas a falta de originalidade apenas significa, neste caso, que Mel Gibson está lidando com arquétipos pesados.
O importante é que o ator –fazendo sua estréia na direção– conduz sua fábula com firmeza, levando o espectador pelas mãos a passar pelos diversos estágios por que também passam os sentimentos de Chuck: estranhamento, horror, curiosidade, amizade. Em outras palavras, da rejeição ao desconhecido passa-se ao conhecimento do outro. E o monstro, esmiuçado, torna-se "humano".
Estamos falando, aí, da primeira meia hora de filme. É uma pena que na hora restante uma série de elementos se acumulem, com o mesmo peso: Glória, sua irmã por parte de mãe, tem ciúmes doentios. A mãe passa o tempo atrás de um novo marido. No mais, existem uns tantos mistérios envolvendo o pai do garoto.
Esse acúmulo de elementos entra na história estritamente para satisfazer certas fatias de mercado, que vêem seus problemas ali colocados: é a típica coisa de produtor que intervém na história pensando nos cifrões e cheio de inseguranças quanto ao projeto em si.
Se a isso adicionarmos os mistérios que envolvem McLeod, que o filme revela todos (e mais interessante seria mantê-los em parte velados ao espectador), entenderemos por que o filme perde força.
Diga-se a favor de Mel Gibson que os problemas de "O Homem sem Face" vêm do roteiro. Alguns deles ele ainda consegue driblar (sobretudo ao manter a tensão entre o rompimento do preconceito, pelo menino, e a sua manutenção, pelos que o cercam). No fim, Gibson ainda consegue evitar a facilidade do "happy end" e do transbordamento emocional.
Se o filme tem como virtude adicional a direção de atores (em particular o menino Nick Stahl está muito bem), há um ator que emperra um pouco as coisas. É, justamente, Mel Gibson. Menos por sua atuação do que pelo seu porte e aparência (a parte do rosto não desfigurada permanece a de um galã), por vezes não se vê nele nem o Freak, nem McLeod, mas o velho Mad Max.
LEIA MAIS
sobre as estréias de cinema à pág. 5-8

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