São Paulo, sábado, 26 de novembro de 1994
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As falsas expectativas

EM TERMOS

Momento decisivo será o da prisão e condenação de criminosos de colarinho branco
OTÁVIO VELHO
Embora, que eu saiba, ainda não haja indicadores precisos, a impressão mais geral é de que de imediato houve uma redução em diversas formas de criminalidade. E tal como na percepção anterior de uma escalada da violência –a versão, enquanto não é substituída por outra, é de certo modo o fato.
Até que ponto, no entanto, essa eventual queda imediata da criminalidade tem a ver com a "eficácia" da ação do Exército –como sugere a pergunta– já é uma primeira questão. Em parte, provavelmente sim. Mas pode também ter a ver com uma ação tática do outro lado, que passe, inclusive, por uma suspensão das hostilidades entre grupos rivais.
A questão da tática remete a outras questões. Será que essas incursões esporádicas vão, realmente, "asfixiar" o tráfego? O senso comum sugere que por aí só daria certo se fosse possível um controle geral e simultâneo sobre todas as áreas. Mas isso pode ser uma fantasia de onipotência.
Se tentado, provavelmente haveria uma dispersão de forças que seria aproveitada pelo "inimigo" para uma contra-ofensiva através de ações concentradas que fariam o Exército perder a iniciativa. E a busca de retomada da iniciativa só poderia se dar através de uma escalada.
Se já agora estão se configurando episódios de desrespeito às populações, imagine-se então. Sem falar que do ponto de vista da cidadania não interessa a ninguém uma eventual desmoralização das Forças Armadas.
É evidente, no entanto, que se chegou a um ponto em que as forças locais não tinham mais condições de enfrentar o desafio sozinhas e "alguma coisa" tinha de ser feita. O que parece necessário é rapidamente alcançar um acordo sobre o que seria essa "alguma coisa". E, inclusive, buscar desfazer falsas expectativas antes que se transformem em perigosas frustrações.
A meu ver, as posições mais sensatas têm sido expressas pelo Viva Rio. Sobretudo na sua busca de consenso e acordo, tão mal compreendida pelo governador Nilo Batista.
A missão principal das Forças Armadas tem de ser nas "fronteiras" do Estado. As ações locais, quando couberem, precisam ser bem planejadas, rápidas e terem objetivos precisos. Para isso é necessário informação e experiência. E isso não é possível sem respeitar e saber distinguir a parte sadia do aparelho policial. Que existe.
Mas sobretudo é preciso combater o preconceito. A atenção às favelas não pode ser só militar. E a atenção militar, por sua vez, não pode se restringir às favelas. Momento decisivo será o da prisão e condenação de criminosos de colarinho branco.
Na verdade, o "Exército" que precisa provar sua eficácia envolve a nós todos. E para isso talvez tenhamos que aprender com gente que até hoje desprezamos, como o crente popular, que para bom entendedor pode dar aulas de eficácia e dignidade. E muitos outros que estão por aí despercebidos. Até para não passar a nossos filhos uma experiência de vida guetificada e empobrecida.

OTÁVIO VELHO, 52, antropólogo, é professor titular de antropologia no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (1986-88).

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