São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Esquistossomo resiste a droga

PHYLLIDA BROWN
DA "NEW SCIENTIST"

Afirmações de que um parasita humano comum pode ter começado a adquirir resistência à principal droga que o combate criaram uma discussão acirrada entre pesquisadores.
Alguns biólogos no Reino Unido dizem ter evidências de que o parasita causador da esquistossomose, o Schistosoma mansoni, pode adquirir resistência à droga praziquantel.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) e outros cientistas contestam a afirmação.
A esquistossomose atinge cerca de 200 milhões de pessoas, inclusive no Brasil.
Quando não é tratada, leva ao aumento do tamanho do fígado e do baço e prejudica intestinos e vasos sanguíneos abdominais.
Até 200 mil pessoas morrem de esquistossomose todos os anos.
Mais de 70 países afetados pela esquistossomose dependem do praziquantel, que costuma funcionar após uma única dose contra todas as espécies de esquistossomos.
Ainda não foram encontradas quaisquer evidências de resistência em grande escala ao praziquantel.
Mas os cientistas britânicos fundamentam suas afirmações em experiências de laboratório.
A descoberta chega num momento em que uma epidemia de esquistossomose no Senegal se mostra difícil de tratar. Alguns cientistas acreditam que a droga está tendo menos efeito no país.
As alegações deixaram furiosos os cientistas da OMS. Eles estão convencidos de se trata de um exagero. "Não há prova da existência do problema", diz Kenneth Mott, diretor do programa de controle da esquistossomose da OMS.
Mas os pesquisadores Padraic Fallon e Michael Doenhoff, da Universidade do País de Gales, em Bangor, descobriram que o Schistosoma mansoni, pode criar resistência ao praziquantel em camundongos quando administrado em doses baixas e regulares.
Eles acabam de publicar seus resultados na revista "American Journal of Tropical Medicine and Hygiene".
As últimas descobertas desses biólogos, ainda não publicadas, tiveram uma recepção ainda pior.
Trabalhando com André Capron, do Instituto Pasteur em Lille (França), e colegas no Senegal e em Londres, Fallon e Doenhoff compararam linhagens diferentes de S. mansoni no laboratório.
Constatou-se que uma linhagem do Senegal é menos sensível ao praziquantel do que duas linhagens de Porto Rico e do Quênia.
Em 1992 uma equipe liderada por Bruno Gryseels, da Universidade de Leyden (Holanda), reportou resultados fracos com praziquantel no Senegal.
Em mais de 350 pessoas tratadas com a droga, só 20% ficaram livres dos ovos de S. mansoni.
Mas a descoberta não impressionou a OMS, que há dois anos contesta a definição de Gryseels do que seja cura da infecção.
A OMS diz que os ovos devem se reduzir em 90%, mas não precisam ser eliminados.
Mott afirma que o tratamento é "satisfatório" se 40% dos pacientes ficam livres de ovos após um ano.
Os maus resultados do tratamento no Senegal têm várias explicações possíveis.
Uma delas é que o país apresenta níveis muito altos de infecção, resultado da epidemia que começou no final da década de 80.
Segundo uma estimativa, até 90% da população dos povoados vizinhos à cidade chamada Richard Toll está infectada.
Como o praziquantel só atua sobre o parasita maduro, é possível que as pessoas se reinfectem tanto que sempre tenham formas imaturas do verme.
Outra possibilidade é que a droga não funcione tão bem com essa população.
Muitos ainda não têm imunidade natural à esquistossomose. Alguns cientistas acreditam que o praziquantel precise dessa imunidade para funcionar.
James Bennett, da Universidade do Michigan (EUA), estuda esquistossomos no Egito, onde o praziquantel é usado mais do que em qualquer outro país.
Ele acredita que seria lá que a resistência à droga teria se desenvolvido.
Ele e seus colegas identificaram uma linhagem egípcia de S. mansoni menos suscetível ao medicamento no laboratório do que as outras linhagens.
Tradução de Clara Allain

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