São Paulo, segunda-feira, 28 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CD relembra música de Glauco Velásquez

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Glauco Velasquez foi uma experiência inquieta, com lampejos de gênio num resultado precário." Foi o que escreveu Mario de Andrade na sua "Pequena História da Música". Reverenciado pelo musicólogo Luciano Gallet, homenageado por Darius Milhaud (que chegou a completar seu "Trio nº 3"), sempre citado com um misto de curiosidade e frustração pelos historiadores, Glauco Velasquez (1884-1914) é uma das figuras mais interessantes da música brasileira de início do século.
Sua morte precoce e sua biografia e sua biografia de melodrama contribuem para formar o perfil desse jovem gênio tuberculoso da música. Nascido em Nápoles e dado como órfão, Velasquez foi criado por um pastor protestante e posteriormente adotado por uma carioca de Paquetá –sua própria mãe, que fora ter o filho na Itália para esconder o adultério.
Desde 1977, a pianista Clara Sverner vem gravando a música para piano de Velasquez (um disco pelo selo London; outro, de 1984, pela Philips). Agora reúne virtualmente sua obra completa para piano, em CD recém-lançado na Alemanha pela gravadora Marco Polo.
Há lampejos de gênio, em peças como "Brutto Sogno" (1910), ou a grande "Valsa Romântica" (1909), pastiches charmosos na "Petite Suite" (que imita Debussy recriando a música francesa do século 17), pequenos exercícios bachianos e muitos ecos da escola wagneriana francesa, tudo filtrado pelo sentimentalismo tropical.
Os musicólogos apontam regularmente César Franck como influência. E Velasquez parece, às vezes, uma espécie menos grandiosa de Guillaume Lekeu, o grande discípulo belga de Franck. Como Lekeu, Velasquez também não chegou a ser quem era. Ficou vagando entre as formas, "inquieto". Seu legado, afinal, não chega a muito: é uma nota de rodapé na magra história da nossa música. Mas uma nota, como diria Mario de Andrade, "interessantíssima".
Clara Sverner interpreta as 20 peças de Glauco Velasquez com fluência e simpatia. Há um ano, ela gravou Villa-Lobos ("Alma Brasileira", da Sony) numa versão volumosa e exuberante, mas que curiosamente tende para o literalismo. E um Villa-Lobos de grande contornos, mas sem muitos matizes. (Isso é, em parte, um problema da gravação, que faz seu piano soar como se fosse Wagner Tiso ou Cesar Camargo Mariano.)
Tocando Glauco Velasquez, parece bem mais à vontade, bem mais natural e fluente. É uma interpretação cheia de bondade musical, interpretação a favor da música.
Glauco Velasquez não é o Rimbaud da nossa música, nem muito menos nosso Velásquez. Mas também não é um Ernesto Nazareth de casaca. "Ele adivinhou Stravinski", dizia Gallet, com exagero. Precário, ou inquieto que seja, ressurge hoje como uma pequena revelação –a imagem um tanto pobre, mas ainda sedutora, de outra música brasileira, que podia ter sido e não foi, e que nunca chegamos a ter.

Disco: Piano Works
Compositor: Glauco Velasquez (1884-1914)
Intérprete: Clara Sverner, piano
Gravadora: Marco Polo, 1994

Texto Anterior: Conhecimento vem da experiência
Próximo Texto: Trio Kleiderman chega com rock agressivo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.