São Paulo, segunda-feira, 28 de novembro de 1994
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Saudades do século 20

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Contei, há tempos, a história de Augusto Freire Belém, baiano, bom amigo, belíssimo sujeito. Houve um concurso para se escolher a melhor seleção de todos os tempos, os votos se concentraram em Pelé, Garrincha, Didi, Zizinho, Domingos.
Ele armava uma seleção fantástica. O trio final (era assim que se chamava então) estava formado por Manteiga, Dedão e Sacadura. Esqueci os atacantes mas a linha média era assombrosa: Santa Maria, Pinta e Nina.
Não adiantava discutir. Ele tinha visto esses craques jogarem no interior baiano. E também tinha visto Pelé, Zizinho, Didi. A nossa lista –segundo ele– era mal formada e pessimamente informada. Se tivéssemos visto Dedão!
Foi na seleção do Belém que pensei quando li o novo livro do Ruy Castro, "Saudades do Século 20". Sendo livro do Ruy, é gostosamente escrito e rigorosamente apurado. Alguns de seus perfis (se não todos) são definitivos. Usando expressão em moda: um texto de Primeiro Mundo.
O diabo é a seleção. Prevenido, o autor antecipa a resposta: a escolha foi dele. Que cada qual faça a sua e passe bem. De minha parte, não disponho de equivalentes ao Dedão e Manteiga da lista do Belém. Mas colocaria na relação alguns nomes que, talvez somente eu, tenha visto entrar em campo.
Não é vantagem ter saudade da Doris Day. Em compensação, nunca fui chegado a Hitchcock, cuja supervalorização é uma invenção dos franceses, como a Guerra da Indochina e o "beaujolais noveau".
As saudades que o Ruy proclamou são, obviamente, as saudades dele. Ou, mais ainda, a saudade de si mesmo –que afinal é o núcleo de qualquer saudade.
Sei que o Ruy anda agora mergulhado em Garrincha –e tal como os franceses que ajudaram o citado "beaujolais" (há assanhados no Rio que também ficam excitados) eu passarei a aguardar seu novo livro com emoção. E mais emoção teria se, depois de Garrincha, ele engatasse um Dedão ou um Manteiga –sobre os quais, até agora, a história ainda não deu a última palavra.

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