São Paulo, segunda-feira, 28 de novembro de 1994
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Os partidos políticos (2)

FLORESTAN FERNANDES

Uma visão sumária do funcionamento, das alterações e influências persistentes dos partidos salienta que sua morfologia e tipologia os aproximam mais que os afastam. Buscando conciliar os interesses imediatistas das classes dominantes e suas elites, eles não visam consolidar o poder popular e garantir o sufrágio universal.
Acima do cidadão e da cidadania, manipulam o voto pelos meios possíveis e a atração dos eleitores distanciados do espírito cívico. Os processos na direção contrária se iniciaram em 1930. Mas, sete anos depois, o que havia de falacioso por trás do significado da revolução, chamada de liberal, ficou patente pela instauração do Estado Novo, uma ditadura no melhor estilo latino-americano.
As dissensões propriamente "liberais" fundavam-se nas tentativas de forçar uma conciliação pelo alto, sagazmente derrotada por Getúlio Vargas e sua corte político-militar. O que pretendiam consistia na manutenção do statu quo, em um rateio diverso do monopólio do poder e das vantagens que ele abriria às elites do complexo urbano-comercial e financeiro, em um momento em que a industrialização parecia ameaçar a hegemonia do setor agrícola.
Ora, aquela era uma ocasião em que se impunha estabelecer solidamente a paz burguesa, diante dos riscos das migrações internas, concentração de mão-de-obra barata em determinadas cidades, manifestações operárias e reivindicações sindicais. Os partidos seriam instrumentais como suporte da ditadura e não como fonte de aspirações à unidade nacional ou de constituição de uma cultura cívica.
Esse foi um teste decisivo para a debilidade dos partidos tradicionais. Evidenciou-se que seu autoritarismo arraigado era particularista demais e que a paz burguesa exigia a intervenção do Estado, repressiva contra os de baixo e reguladora para os de cima.
A evolução dos partidos da ordem –fundados na desagregação do Estado Novo ou, mais tarde, após o ocaso da ditadura civil-militar de 1964 –reforçou os elementos negativos e restritos do seu alcance. Eles só se mostraram rápidos para negociar conciliações no tope ou articular fins privatistas em circunstâncias de crise.
Os partidos ditos de esquerda ou se renderam a essa tática, mesmo depois da Aliança Nacional Libertadora, em 1935, ou buscaram impor-se "proletariamente" na defesa de um inconformismo retórico. Seu mal é que, mesmo depois de emancipar-se da condição de cauda do movimento burguês, não conseguiram subverter sua relação com a sociedade civil.
Exibem inconsistências nascidas de sua porosidade ao monolitismo das classes dominantes. Pregam a transformação da ordem. Mas não mobilizam nem educam politicamente as classes trabalhadoras ou os sem classes. O que os leva a ser partidos parlamentares, microreformistas, submissos à compressão burguesa. Entre a social-democracia e o socialismo proclamados, optam pela alternativa da ocupação do poder, se preciso em composições com os partidos da ordem.

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