São Paulo, segunda-feira, 28 de novembro de 1994
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Salvador resiste

LÍDICE DA MATA

Para o ex-governador e atual senador eleito Antonio Carlos Magalhães não foi suficiente ganhar as eleições na Bahia. Ele pretende, e declarou isso no momento mesmo da vitória do seu candidato, dizimar a oposição. Parece difícil, para ele, conviver com adversários politicamente vivos.
A idéia da dizimação, embora falsa, pois a oposição elegeu por exemplo 15 deputados federais, revela, no entanto, a perspectiva da preferência pela eliminação das diferenças. Exatamente o contrário da essência do regime democrático.
Embora se apropriando de alguns elementos simbólicos e valores artísticos da Bahia, ACM funciona como um verdadeiro interventor. Seu poder sempre veio de cima e de fora. Depois do movimento militar de 1964 passou a ser o principal delegado da ditadura na Bahia. E no Brasil redemocratizado, passou a representar o maior monopólio da comunicação televisiva, concessão obtida quando era ministro do governo Sarney. Ele busca, sempre, um fator de dominação desigual e externo que lhe assegure impunidade para exercer a prepotência do seu jogo político destrutivo.
Assim como os torturados do movimento militar eram impedidos de denunciar a violência que lhes estava sendo infligida, eu e os outros prefeitos perseguidos por ACM somos atacados diariamente sem direito de resposta. Canais de televisão transformam-se de concessão pública em instrumentos políticos unilaterais.
Os problemas de uma cidade que acumulou mais de 400 anos de desigualdade são inescrupulosamente explorados e a prefeita, individualmente, responsabilizada. A cidade abalada financeiramente, inclusive por grandes empreiteiras, não recebeu durante mais de um ano, um único tostão do governo federal, exceção dos repasses constitucionais.
Nem mesmo durante as enchentes, os desabamentos, as greves do transporte coletivo, a prefeita de Salvador teve a possibilidade de se dirigir à população da cidade pela emissora que detém cerca de 80% de audiência. Até matérias pagas foram recusadas pela TV Bahia.
Tenho os testemunhos, à disposição de qualquer cidadão do Brasil, de dirigentes empresariais e dirigentes comunitários, atestando que a cidade de Salvador está mais limpa e mais bem-cuidada em nossa administração. Os turistas que nos visitam habitualmente e, eventualmente, me encontram na rua, fazem questão, espontaneamente, de reafirmar essa verdade.
Cumprindo rigorosamente o compromisso de não roubar e não deixar roubar, reduzimos o preço das obras públicas em mais de 50%. Estamos atendendo no programa Cidade Mãe quase mil ex-futuros meninos de rua. Vamos entregar uma nova estação de transporte coletivo para cerca de 80 mil trabalhadores soteropolitanos.
Estamos recuperando a colina do Senhor do Bonfim, fazendo novas praças, inclusive no Rio Vermelho, onde se realiza a famosa festa de Iemanjá no dia 2 de fevereiro. Fizemos o melhor Carnaval de toda a história da cidade. Retomamos obras do transporte de massa paralisadas há anos.
Nada disso tem, no entanto, qualquer registro na emissora de propriedade dos familiares do sr. Antonio Carlos Magalhães.
A cidade do Salvador sofre a tortura, terrível para sua alma feminina, de não ver por inteiro seu próprio rosto neste grande espelho da sociedade moderna que é a televisão. A TV Bahia/Globo é um espelho de bruxa onde só aparece a face do dono. Os indígenas dos primeiros tempos da colonização mereceram sorte melhor com os espelhinhos dos portugueses.
Reproduz-se, aliás, na Bahia um modelo de dominação colonialista, quando as diferenças eram eliminadas física ou culturalmente. Mas porque tanto ódio em plena democracia? A proposta de linchamento político da nossa administração corresponde ao desejo de punir o povo de Salvador por ter infligido à ACM uma derrota nas eleições de 1992. E o que foi ainda pior para sua visão autoritária: uma prefeita mulher que não possui TV, rádio, jornal ou empresas.
Parece inaceitável para as elites ganhar-se uma eleição só com a força do movimento popular. Parece ser um verdadeiro crime o povo criar e organizar a sua própria força. Isso ameaça e desequilibra uma estrutura de poder e dominação que nunca permitiu à cidade de Salvador ter um verdadeiro governo municipal.
Nossa luta em Salvador não é, portanto, contra Antonio Carlos Magalhães, mas em defesa da democracia e pela afirmação do poder público municipal. Trata-se, sim, de uma legítima defesa da dignidade popular.
Salvador resistirá com a mobilização de suas comunidades organizadas e beneficiadas por mais de 200 obras de parceria realizada em regime de mutirão. Salvador resistirá construindo, em parceria com a iniciativa privada, o parque Atlântico com 240 mil m2 de área à beira-mar, no antigo aeroclube. Salvador resistirá realizando, de novo, o maior Carnaval do mundo.
Salvador resistirá lutando, de todas as formas com suas comunidades, sua Câmara de Vereadores, seus sindicatos, suas entidades cívicas e profissionais contra a grande ameaça à democracia no século 20, e talvez no século 21, que é o monopólio dos meios de comunicação. Quem viver, verá!

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