São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1994
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Em nome da lei

JANIO DE FREITAS

Mal foram divulgadas providências para preservar a legalidade, nas ações militares em favelas, aconteceram novas e piores transgressões à Constituição e às leis.
Os militares da ação no Morro do Borel negam que tenha havido toque de recolher ali. Aceitam apenas que houve "uma recomendação para os moradores não saírem de casa depois das 20 horas". Discutir palavras é dispensável quando os fatos dizem tudo por si sós. Embora impedidos de exercerem o direito constitucional de coletar e difundir informações jornalísticas, repórteres e fotógrafos documentaram até mais do que o toque de recolher: a proibição de que moradores, muitos deles voltando do trabalho, entrassem no morro para chegar às suas casas, ficando impedidos de sair os que já estavam no morro.
Não foi decretado o estado de defesa, quanto mais o estado de sítio. Logo, o direito constitucional de ir e vir está em vigência plena.
As ações contra as quadrilhas exigem que mesmo inocentes sejam submetidos a incômodos. Mas não a tratamento ilegal. A ação limpidamente legal é difícil, sim. Se não fosse, porém, não precisaria haver o convênio que entregou o planejamento e o comando da operação a um oficial dado como capaz de restaurar a ordem constitucional e legal nos domínios da marginalidade.
As denúncias de tortura no Borel, feitas não só por moradores, mas também por duas freiras, deveriam ter recebido dos militares a providência que a lei exige: o início imediato de investigação. Preferiram negar sumariamente a tortura. Mas as denúncias ficaram –documentadas, impressas.
Os militares parecem esquecidos do tempo e do trabalho que lhes vinha custando refazer-se de exorbitâncias no passado.
Jogo de azar
A realidade convencional já se impõe às intenções expostas por Fernando Henrique Cardoso, antes e depois de eleito, de modificar as relações entre governo e, de outra parte, parlamentares e partidos. O estilo não é devasso, não há barganha explícita, mas as negociações com o PMDB não estão fugindo ao jogo em que o futuro apoio no Congresso é buscado pela oferta de participação no governo.
A ocorrência da permuta não é condenável em si mesma. Faz parte da política. Até agora, o problema está em que nas atuais circunstâncias esse jogo político, se feito com o PMDB, é jogo mesmo, algo cujo resultado é incerto. Nenhum peemedebista, ou grupo de peemedebistas, tem autoridade para assumir qualquer compromisso em nome do partido, fragmentado em várias e conflitantes correntes. Se ao menos houvesse a perspectiva de predomínio de uma das correntes a prazo médio, reunificando o partido, a permuta com o PMDB conteria dose de promessa justificadora. Mas a dissolução das dissensões peemedebistas será, ao que indicam os próprios envolvidos, longa e difícil.
A idéia-fixa que impulsiona as negociações com o PMDB é a formação, no Congresso, de maioria permanente no apoio ao governo, para aprovação fluente até mesmo de modificações na Constituição. Acontece que os projetos administrativos delineados para o novo governo são tão polêmicos, muitos deles, quanto as suas propostas de alterações constitucionais. Só isto bastaria para justificar a perspectiva, mesmo sem considerar-se a fragmentação do PMDB, de batalhas parlamentares intensas na tramitação de cada um daqueles projetos. Mas a isso ainda se deve acrescentar que a natureza polêmica dos projetos vai dificultar, ainda mais, a reaproximação interna das correntes peemedebistas.
O apoio a Fernando Henrique, proposto por oito dos nove governadores eleitos pelo PMDB, corresponde ao apoio que eles desejam receber dos cofres federais. Mas na hora das votações no Congresso é que se vai ver o quanto será efetivo o apoio dos governadores e o quanto as respectivas bancadas estaduais obedecerão a eles. Por ora, nada faz crer que as negociações com o PMDB valham o preço peemedebista. E tudo faz crer que os projetos do novo governo terão no Congresso mais dificuldades do que certa euforia faz crer.

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