São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A Embratel e o satélite

LUÍS NASSIF
A EMBRATEL E O SATÉLITE

Esta semana a presidência da Embratel, o Ministério das Comunicações a própria Presidência da República, terão pepino graúdo para descascar. Vão ter que decidir se permitem ou não a Embratel operar satélites com banda KU –própria para transmissão digital de ondas de televisão.
Trata-se de questão tecnicamente simples, politicamente complexa e que envolve teia de poderosos interesses econômicos.
A Embratel possui quatro slots (espaços), onde colocou os satélites A1, A2, B1 e prepara-se para lançar o B2. Além dela, há a Class, grupo formado pela Globo, Bradesco, Monteiro Aranha, Odebrecht e Matra (fabricante de satélites) que já dispõe de um slot, e a Localsat, formada pelos grupos Itamarati, Splice e Daimler. A Telebrás participa de ambos.
Cada satélite possui duas faixas de frequência (por onde transitam os dados): a banda C e a banda KU. A banda C exige antenas maiores, além de operar na mesma frequência das microondas terrestres estando, por isto, mais sujeita a interferências. Já a banda KU atua em faixas menos sujeitas a interferências. Sofre um pouco com as chuvas, mas exige antenas de apenas 45 centímetros de diâmetros. K bastante indicada para sinais de TV, transmitindo em qualidade digital.
Para o futuro, o cabo dispõe de vantagens adicionais. Permitirá ao usuário agir interativamente, escolhendo filmes, fazendo transações bancárias etc. Mas, para o que se propõe hoje, o satélite seria um concorrente temível do cabo, principalmente em regiões de menor densidade populacional.

Rolando cabeças
Quem sai na frente neste jogo, obviamente, acumula vantagens. O lançamento do satélite do consórcio Class esbarrou em divergências com a Telebrás. A Embratel está tentando se valer disso para sair na frente. Mas vem enfrentando jogo político pesado.
Recentemente, tentou sua primeira incursão na banda KU, associada ao grupo argentino Nahuel. O satélite dispunha da banda C para o cone sul e da banda KU para o Brasil. A operação foi interrompida, ao que consta, pela própria Presidência da República. Rolaram cabeças favoráveis ao projeto, inclusive a do presidente da empresa –Paiva Lopes–, substituído pelo ex-deputado Renato Archer. Apesar de suas posições historicamente nacionalistas, Archer jamais explicou porque permitiu que se abortasse a operação.
O segundo lance da disputa está se dando agora. Há um ano a empresa encomendou a Hughes, fabricante do satélite já encomendado, que alterasse a banda C para banda KU o satélite encomendado.
Dois meses atrás teve início a ofensiva política, através do senador mato-grossense Júlio Campos. Da tribuna do Senado –e, na semana passada, através do programa Bom Dia Brasil, da TV Globo–, Campos ameaçou a Embratel com uma CPI, alegando que a mudança das especificações técnicas do satélite exigiria uma nova licitação.
A mera mudança da radiofrequência não implicará na alteração de nenhum item do contrato, nem no acréscimo de um cêntimo no preço. Mas pouco importa. O objetivo final, que era atrasar o lançamento, foi alcançado.
Esta semana, de volta de uma viagem ao exterior, caberá ao ministro das Comunicações, Djalma Moraes, definir a questão. Adiando a decisão, estará jogando contra sua própria empresa.

Flexibilização
A substituição da privatização pela tal flexibilização –conforme proposta pelo novo presidente da República–, apenas confirma o que a coluna vaticinou há um ano. As novas tecnologias vão comer a Embratel e a Telebrás pela borda.
Amarradas a uma gestão estatal, elas não terão condições de concorrer com o dinamismo do setor privado. Ao mesmo tempo, a flexibilização permitirá que suas funções tradicionais sejam engolidas pelas novas tecnologias. Na Inglaterra, em pouco tempo a tecnologia do cabo comeu 40% do mercado da telefonia convencional.
Mais à frente, quando o governo decidir pela privatização, o valor de mercado dessas empresas será ínfimo.
Esta é a forma mais perniciosa de destruição de patrimônio público, fruto da burrice de algumas corporações e da malícia de alguns governantes.

Texto Anterior: Emprego cresce nos EUA em 95
Próximo Texto: Nível de emprego fica estável em São Paulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.