São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1994
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Livro ataca camisa-de-força do 'estilo'

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A polêmica na qual se insere "O Autor no Cinema" não é nova. O início do questionamento da figura do autor praticamente coincide com sua defesa enfática, que resultou na "política dos autores" dos "Cahiers du Cinéma".
Há mais de duas décadas, Noël Burch vem denunciando a atitude fetichizante dos críticos-cineastas da "nouvelle vague", como Rivette, Godard, Rohmer, Truffaut, que criaram um panteão de cineastas eleitos, em cujas obras estaria configurada a unidade de um estilo, de uma "escrita" própria.
Em que pese a enorme repercussão que teve a "política dos autores" entre os cineastas dos novos cinemas dos anos 60 e 70, que se propunham a desenvolver uma linguagem própria, ela se via corroída na base pelas teses estruturalistas e anti-humanistas, para as quais o autor não passaria de um instrumento pelo qual uma obra se manifesta e toma corpo.
Ao que se alinhavam as teorias de Michel Foucault e Roland Barthes, relativas à morte não apenas do autor, mas do homem.
Não deixa, porém, de ser original o modo como Bernardet reorganiza essas idéias. Para ele, o conceito de autoria, importado da literatura, desde logo apresenta a contradição de se aplicar a um cinema que justamente reivindica uma linguagem específica.
Convencem pela razão e pelo fascínio seus argumentos referentes à cadeia em que foram aprisionados os cineastas do "olimpo" –os eleitos pelos "Cahiers du Cinéma"–, obrigados a circular no estreito universo de uma suposta coerência formal, da qual eram abolidos todos os traços dissonantes. Diretores como Hitchcock, Hawks e Ford tinham suas obras sacralizadas ou descartadas, independentemente da qualidade: o que valia era a fidelidade ao estilo.
Talvez não existam no mundo estudos comparáveis ao de Bernardet na minúcia dos dados levantados a partir dos textos produzidos pelos defensores da "política dos autores". A longa série de citações, montadas com uma habilidade de tirar o fôlego, sugere, por um lado, a ética religiosa-cristã que dirigia o olhar dos críticos da "nouvelle vague" e, por outro, seu conservadorismo político.
No entanto, o segundo capítulo, em lugar de desenvolver essas idéias, envereda por um levantamento histórico do comportamento da crítica cinematográfica brasileira. Essa guinada provoca estranhamento, sobretudo no leitor desavisado quanto ao projeto de reforço da identidade nacional brasileira do qual participou Bernardet no passado, ou quanto às suas intenções de unificar sua dupla formação franco-brasileira.
Considerar a crítica nacional, em muitos casos ainda incipiente e amadora, no mesmo patamar da francesa, que influenciou o pensamento cinematográfico do mundo inteiro, causa um desconforto que só se resolve quando se chega aos textos de Paulo Emilio Salles Gomes e Glauber Rocha.
O primeiro é o único que enfrenta os franceses em pé de igualdade, apontando neles o que chama de "direitismo", enquanto o segundo aproveita a ênfase francesa no autor para criar a figura do cineasta revolucionário.
O terceiro capítulo retoma o diálogo internacional e a irreverência, abandonados no segundo, fazendo uma revisão das teorias antiautorais e fechando-se de novo com um exemplo nacional, o de Cacá Diegues, que reafirma o direito à diversidade e se recusa a ver em seus filmes as pedras que constroem uma catedral.
Bernardet não inclui no livro tendências americanas atuais que vislumbram uma retomada do conceito de autor pela própria indústria hollywoodiana. Sua postura antiautoral intransigente reflete o desejo de estimular a formação no Brasil de uma crítica voltada para uma metodologia diferente, centrada antes na obra que no homem e que permita dividir os louros da criação com outros membros da equipe cinematográfica, além do diretor. Por exemplo, o produtor. (LN)

Livro: O Autor no Cinema, editora Brasiliense, 206 páginas
Autor: Jean-Claude Bernardet
Quanto: R$ 18
Lançamento: dia 5/12, a partir das 19h, no Citybank da av. Faria Lima, 1.671

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