São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 1994
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O que querem os jornais

JOSÉ SERRA

Desde outubro, a expectativa de fatos espetaculares, seja nas escolhas de nomes para ministérios e secretarias, seja no anúncio de mudanças nas políticas dos novos governos federal e estaduais, orientou a tática e a estratégia da maioria dos órgãos de imprensa. Como era previsível, veio a frustração e o vazio, preenchido, então, com suculentos copos de sucos de pedra e pedregulhos.
Há pelo menos dois fatores não conjunturais que explicam a excitação exacerbada. O primeiro reflete o hábito com a espetacularidade dos eventos que têm marcado a vida do país desde a primeira metade dos 80.
Uma sequência para ninguém botar defeitos: inflação saltando para os níveis mais altos de nossa história (100% a 200% ao ano de 1980 a 1983); duas moratórias externas (1982/83 e 1987); agonia do regime autoritário (1979-84) e emergência da "Nova República" (1985); morte de Tancredo (1985); a posse de Sarney, que há pouco era presidente do partido do antigo regime; Plano Cruzado; Constituinte (1987/88); Plano Bresser; Plano Verão; primeira eleição direta para presidente, cujo desfecho na TV foi coroado pelo episódio Miriam Cordeiro; Plano Collor 1, com retenção de depósitos em conta corrente e de poupança; Plano Collor 2; deposição do presidente Collor, depois de uma sequência de escândalos (CPI e cheques fantasmas); CPI do Orçamento (com cheques idem) e a cassação de fato ou moral de proeminentes figuras do Congresso; Plano Real.
Mais ainda, em torno do governo Collor acelerou-se não apenas o processo de privatização da vida pública (corrupção) como também o inverso: a vida privada de altas autoridades passou a ser assunto público, envolvendo o próprio casal presidencial, a família do presidente e ministros ("Besame Mucho", livro da ex-ministra Zélia).
Uma simples recapitulação dos eventos mostra o piso que foi se estabelecendo para o noticiário de imprensa e a consequente decepção face à ausência de eventos traumáticos. A ausência destes tende a ser preenchida não pela volta à normalidade e pelo aprofundamento analítico, mas fundamentalmente pelo tititi, pela supervalorização da banalidade, pelo alarmismo exagerado etc.
Isto, desde logo, não é "culpa" dos profissionais da imprensa nem dos proprietários, mas da própria lógica do processo. Está para o noticiário espetacular assim como a inflação residual está para a superinflação.
Há um segundo fator que exacerba a "inflação" residual do noticiário: a concorrência entre os grandes jornais e deles com a TV –não nos preços, mas na forma do produto. É uma concorrência feroz que se prevalecesse nos outros grandes setores produtivos e de serviços certamente melhoraria a eficiência de nossa economia...
Por falar em TV, seu predomínio na absorção "per capita" das notícias tem um duplo efeito: diminui o tempo disponível para a leitura de jornais e habitua o público à superficialidade do noticiário político. Um belo indicador reside na proliferação das colunas com notícias resumidas em um ou dois parágrafos.
Sua atratividade é garantida por excelentes profissionais alocados a essa área, mas convenhamos: são 22 colunas ou mais de 400 tijolinhos diários em apenas seis dos grandes jornais (Folha, "O Estado", "Zero Hora", "Correio Braziliense", "JB" e "O Globo"). Como preenchê-los a cada santo dia?

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