São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 1994
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Novo João Gilberto chega às lojas amanhã

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Primeiro, um show. Depois, um especial da TV Cultura. Agora, um disco: "João Gilberto Ao Vivo", também chamado de "Eu Sei Que Eu Vou Te Amar", seu tema de abertura. Chega amanhã às boas casas do ramo, nos formatos de praxe (CD, vinil e cassete), com uma tiragem arquiotimista: mais ou menos 100 mil cópias, fornada para Disco de Ouro.
Não é bem nessa liga que João Gilberto joga, mas tudo bem, combina com as aspirações do projeto, desde o show no Palace, em São Paulo, na noite de 13 de abril deste ano, uma jogada ambiciosa. A tal ponto que a Sony Music pediu ao editor-chefe da "Veja", Mario Sergio Conti, que escrevesse o "press release" do disco. E, em vez de enviá-lo à crítica especializada, convidou-a para uma audição na gravadora, no Rio, regada a café, refrigerantes e frios. Ambiente perfeito para um encontro com o intérprete, que jamais cogitou de dar as caras.
Quem foi ao Palace sentirá a ausência de sete ou oito números, suprimidos por motivos de espaço, assim como o lero-lero em homenagem a Caymmi, mas a barretada à paulicéia ("Adoro São Paulo, São Paulo, my love") que João fez antes dos primeiros acordes de "Desafinado" foi mantida entre os 47 minutos da transcrição em disco, cujas 18 faixas se imbricam umas nas outras, sem deixar brechas, não raro superpondo as notas de números contíguos.
Novidades? Nenhuma e várias. João dá a impressão de cantar sempre do mesmo jeito. De fato ele canta, mas o jeito tem lá suas nuanças: as divisões se alteram e se alternam, as pontuações sofrem pequenos, às vezes quase imperceptíveis, deslocamentos, certas pausas e hifenações incidem sobre novas palavras. Sua inventividade é quase subliminar –e mais jazzística do que se imagina.
A supressão de um e outro estribilho, devidamente consagrado, gera uma sensação de estranheza, imediatamente recompensada por alguma singularidade. Que tanto pode estar no jeito de escandir, lentamente, os advérbios de "Eu Sei Que Vou Te Amar", como nos fraseados de "Fotografia" que sugerem uma teleobjetiva buscando a esmo um ponto focal. Nem em temas menos afeitos a invenções, como "Aos Pés da Cruz", João abre mão de um toque pessoal, adentrando as rimas de Zé da Zilda pela segunda parte, aquela tirada de uma sentença pascaliana ("o coração tem razões que a própria razão desconhece").
Um dia pode ser que canse, mas ainda encanta ouvir a Greta Garbo da bossa nova minimalizando ao máximo as suas interpretações. No Palace, ele economizou alguns suspiros de "Da Cor do Pecado" e, ao podar quase todos os pontos e vírgulas de "Meditação", crivou o clássico de Tom e Newton Mendonça de elipses tão curiosas quanto a intromissão de um trecho da mais célebre sinfonia de Tchaikóvski no breque de "Pra Que Discutir Com Madame". Ok, esta a gente já conhecia. Mas vale a pena ouvir de novo.

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