São Paulo, quinta-feira, 1 de dezembro de 1994
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Didatismo marca recente produção negra

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os temas de "Ganhando Espaço", "À Mão Armada" e "O Lance do Crime" não são nenhuma novidade –delinquência juvenil, gangues e gravidez adolescente. Mas novo é sempre um adjetivo inevitável para um cinema como o negro norte-americano, que viveu seu primeiro ciclo vital há apenas 35 anos.
Nesse meio tempo, o gueto piorou um pouco, talvez para continuar quase o mesmo –mudou da cocaína para o crack e do funk para o rap.
A batida do rap acompanha os três filmes, como o funk costumava embalar a safra clássica. Mas não há mais espaço para um Shaft, o heróico policial negro dos anos 70, já que a polícia anda com a pior das reputações entre os veículos negros, inclusive em comédias como "Tiras por Acaso", um clipão promocional da MTV (leia texto ao lado).
Até o início dos anos 80, os moradores dos guetos de Nova York eram os criminosos pretos e latinos que o heróico Paul Newman –de olhos e farda azuis– tentava prender em "Forte Apache - O Bronx" (1982). Criminosos sem rosto, como os japoneses dos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial. O inimigo.
Laquin, de "À Mão Armada", é um inimigo típico –traficante de armas, que fala de calibres e marcas de revólveres como quem se refere aos nomes mais conhecidos do rap. Mas ficamos conhecendo as suas motivações e os sonhos que foram abandonados no meio do caminho. A moral será sempre a mesma: o crime não compensa.
Os cineastas negros não pintam um quadro bonito dos guetos de Nova York. Em última análise, os filmes abordam a desintegração da família.
O sexo é casual ao máximo, com mães solteiras aparecendo em toda estação de metrô. As armas viraram extensão do órgão sexual masculino. Todo moleque com mais de dez anos tira a arma, ironicamente colocada no meio das calças, para provar que é macho. Não há a menor chance de envelhecerem em uma família.
"À Mão Armada" começa assim: dois moleques com menos idade do que requer uma ereção brigam por causa de uma namorada. A discussão termina com um cadáver numa escada de conjunto habitacional.
As mulheres não têm melhor sorte. Chantel, a heroína de "Ganhando Espaço", é uma adolescente com boca de estivador, atitude de moleque e muita vontade de se divertir. Como tantas meninas na sua idade (17), acaba engravidando. A namorada de Laquin, de "À Mão Armada", também está grávida. Só que na cadeia, por traficar crack. Não há nenhuma "Garota de Rosa-Shoking" na área.
O racismo passa quase batido, porque a ação se concentra na comunidade, com poucas incursões no mundo branco –os inimigos, dessa vez.
As histórias, dirigidas ao público negro, têm tom didático e excesso de boas intenções. Mas só a trilha convence a molecada delinquente a ficar firme na cadeira. Eric Sadler, do time de produtores Bomb Squad (que assina os discos do Public Enemy), fez a música de "Ganhando Espaço". Jam Master Jay, do Run DMC, produziu "À Mão Armada". A trilha de "O Lance do Crime", que por sinal é estrelado pelo rapper Tupac Shakur, virou um dos estouros do ano, lançando a carreira do rapper Warren G, irmão do "gangsta" Dr. Dre.
"Ganhando Espaço" ganhou o prêmio especial do júri no Sundence Film Festival de 93. Prêmio politicamente correto: Leslie Harris é a primeira diretora negra da América. Por sua vez, "À Mão Armada" marca a estréia na direção do ator Forest Whitaker (de "Bird" e "Traídos pelo Desejo").

Título: Ganhando Espaço
Direção: Leslie Harris
Elenco: Ariyan Johnson, Kevin Thigpen, Ebony Jerido
Lançamento: Paris Filmes (tel. 011/864-3155)
Título: À Mão Armada
Direção: Forest Whitaker
Elenco: Michael Bihen, Bokeen Woodbine
Lançamento: Abril (tel. 011/832-1555)
Título: O Lance do Crime
Direção: Jeff Pollack
Elenco: Duane Martin, Leon, Tupac Shakur, Marlon Wayans
Lançamento: Capital (tel. 011/257-8655)

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