São Paulo, sexta-feira, 2 de dezembro de 1994
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A hora do Congresso

JOSÉ SARNEY

As reformas econômicas são imprescindíveis, mas não serão duradouras se não ocorrer a reforma política. Desapareceu do debate aquilo que aprendemos durante os anos de crise: "O problema do Brasil é político". Nossas instituições e costumes remontam ao século 19 e se interligam numa dependência impossível de romper. A discussão política é tópica, sempre no sentido do adjetivo, jamais do substantivo.
Quando cheguei ao Senado, em 1971, levantei um amplo debate sobre a necessidade de modernizarmos o Parlamento. Provoquei a constituição de uma comissão com essa tarefa, presidida por Carvalho Pinto e integrada por mim, Ney Braga e Franco Montoro.
Dela nasceram os primeiros passos para a informatização da Casa e a criação do Prodasen, pelo presidente Petrônio Portela. Levantei o debate de ser o Congresso o grande centro nacional de informação legislativa, inclusive com o setor de jurisprudência, evitando a proliferação de órgãos com essa finalidade, o que veio a ocorrer.
Durante oito anos fui presidente do Ipeac (Instituto de Pesquisas e Assessoria do Congresso), que foi responsável pela vitalização da atividade legislativa num tempo em que a política morria.
Realizamos seminários e uma permanente reflexão sobre o Parlamento, seus problemas, suas crises e soluções. Há um acervo valioso na Casa a esse respeito. Desses estudos participaram, entre outros, Mário Simonsen, Wanderley Guilherme e o então papa da ciência política e da teoria da "distensão", o professor Huntington.
Naqueles anos, discutia-se no mundo a decadência dos Parlamentos. Cheguei a escrever duas monografias: uma sobre democracia formal e liberdade, outra sobre partidos políticos, além de um ensaio sobre "Os 150 Anos de História do Senado".
Restauramos a democracia, mas a reforma do Congresso e do sistema político, como um todo, não avançou. Permaneceu o Congresso do discurso.
Mas a instituição precisa de uma reforma profunda que possibilite que a atividade fim, de fiscalizar, controlar, acompanhar e legislar, seja exercida de maneira eficiente e motivada. Os novos tempos exigem repensar do organograma ao fluxograma.
O Congresso americano viveu essa crise e fez este esforço depois de 45, quando procedeu profunda mudança e criou o Legislative Reference Service, de modo que o Congresso tivesse acesso à leitura das informações, através de assessoria e consultores.
A técnica moderna da feitura de leis obedece a uma sistematização que evita o pandemônio que temos de textos superpostos, tumultuados e truncados, como ainda exercitamos.
Um Congresso desintegrado, arcaico e desprestigiado será sempre um entrave no caminho da estabilização.
As relações políticas mudaram. A política é feita em todo o sistema de capilaridade do tecido da democracia participativa.
O Parlamento está debaixo da lupa da mídia porque é o poder onde os conflitos são públicos. Comecemos a reforma política pelo Congresso, para que seus defeitos não tenham condições de surgir e suas atividades possam florescer.
Sem Parlamento forte, há sempre democracia fraca. Chegou a hora do Congresso.

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