São Paulo, sexta-feira, 2 de dezembro de 1994
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O muro que não caiu

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Leitora de Teresópolis (RJ) telefona reclamando referência feita pelo colunista ao milagre brasileiro. Declarando-se eleitora de FHC, garantiu que viveu muito bem nos anos 70.
Sou fraco em estatísticas. Sei que até os fortes na matéria andam encalistrados, parece que os números são antigos e nada confiáveis. Ao telefone, não tive oportunidade de citar cifras, mas agora, como aquele personagem do Artur Azevedo que não sabia o que era "plebiscito", estou abastecido por um dicionário que a leitora na certa julgará idôneo.
É o livro do próprio FHC que serviu de base para a campanha eleitoral. Falando sobre as desigualdades provocadas pelo milagre brasileiro, diz FHC ou quem quer que tenha escrito por ele: "Enquanto em 1960 os 40% de mais pobres detinham 16% e os 10% mais ricos 35% da renda nacional, em 1990 os pobres apropriavam apenas 8% da renda e os ricos aumentavam para 48% a sua parcela".
Fazer um país crescer em espasmos, beneficiando os economicamente viáveis e remetendo os demais à caridade pública ou privada (os 4 bilhões de dólares do governo ou as cestas básicas do Betinho), é criar um câncer social cuja metástase já se instalou no tecido social da nação.
Um giro pelo centro de qualquer das grandes cidades ou uma viagem pelo interior demonstrarão que o milagre brasileiro aguçou dramaticamente o desnível entre ricos e pobres e entre pobres e miseráveis.
Bem, dirão os entusiastas do citado milagre, o Muro de Berlim acabou e esse cara ainda vem com essa lenga-lenga socialista? Eu conheço um muro, aqui na Lagoa. De um lado, moram executivos de uma multinacional. De outro, uns nordestinos (homens, mulheres e crianças) que vivem ao relento e todas as noites tentam pescar na Lagoa o almoço e o jantar do dia seguinte.
Esse muro não está em Berlim. Nem chega a ser muro, exatamente: é uma cerca de plantas ornamentais. Até agora, a única solução encontrada pelos moradores da banda de cá foi chamar a polícia. A alternativa será chamar as Forças Armadas.

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