São Paulo, sexta-feira, 2 de dezembro de 1994
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A vestal desonrada

JARBAS PASSARINHO

Certa feita, no programa do Jô Soares, quando eu presidia a CPI dos "anões" do Orçamento, tive a oportunidade de dizer-lhe que não havíamos investigado contribuições para campanha porque aprováramos a sugestão, nesse sentido, do senador Mário Covas. E adiantei: nenhum candidato, exceto os ricos e os poucos que têm eleitorado cativo, como certos religiosos, pode enfrentar uma campanha eleitoral pagando os custos do seu próprio bolso.
Pouco depois, um jornalista ávido de notoriedade, que publicou um livro inexpressivo sobre a CPI citada, censurou-me no mesmo programa do Jô, dizendo-se perplexo por ver que o presidente da comissão fizera aquela revelação, por ele considerada altamente comprometedora.
Não me importei com a censura. Eu tinha –e continuo a ter– muito má impressão do jornalista, e sempre me lembro de uma lição de Churchill. Referindo-se a algum agravo de que fosse alvo, ele far-se-ia três perguntas. A primeira é: "Quem o disse", a segunda é "Como o disse" e a terceira é "Que disse".
Mas a primeira pergunta era eliminatória. Se quem dissera não lhe merecesse a menor consideração, ele não faria as demais. Se merecesse, a segunda pergunta visava a saber em que condições emocionais o agravo teria sido feito, para só então deter-se no que fora dito. No caso a que me refiro, não tive de fazer as perguntas seguintes...
O escândalo em que está envolvido o PT, com a aceitação de contribuições da "classe dominante", nomeadamente as empreiteiras e a comunidade financeira, vem a propósito do que meu censor profligou na minha declaração ao Jô. Não quero chamar ninguém de insincero, mas vale a pergunta: poderia o Lula bancar a sua campanha para a Presidência da República, mesmo com a contribuição individual dos militantes e simpatizantes do PT?
Ora, o Lula é indiscutivelmente uma pessoa honesta. Pode-se discordar de suas idéias, que aliás andam abaladas, a julgar por suas afirmativas sobre o tipo de socialismo que, hoje, defende. Deixaria ele de ser honesto por receber contribuição financeira para pagar despesas de campanha, se isso fosse feito através de bônus, rigorosamente dentro da lei? Receber e negar haver recebido, sim, compromete, porque sugere que a aceitação foi pecaminosa. O que seria moralmente indesculpável seria receber dinheiro e prometer vantagens indevidas ou ilegais. Aí, sim, o candidato seria indecente e corrupto.
Por outro lado, onde está a mácula moral em receber, através de bônus de comprovação na prestação de contas junto à Justiça Eleitoral, uma doação das empreiteiras ou dos banqueiros? No caso do PT há, não há como negar, uma incoerência, em face do que prega o partido. Mas até nisso convém recordar a anedota que se atribui a Lênin.
Logo depois da revolução bolchevista, um padre, da Igreja Ortodoxa, procurou o Partido Comunista da União Soviética para nele inscrever-se. Os radicais (há sempre essa gente) criticaram Lênin pelo absurdo e pela incoerência, ao que Lênin retrucou: "Há incoerência, sim, mas é do padre e não nossa"... Se verdadeiro o episódio, faça-se analogia com a "generosidade" do grande capital, que engrossou a tesouraria do PT...
Vejamos, porém, o que se passa na prática, durante uma campanha eleitoral. Outrora, no meu Estado, como líder político eu ia a algum lugar, era recebido pelo dirigente partidário local, uma dúzia de foguetes anunciava nossa chegada, e se fazia um comício num palanque improvisado, apenas com o auxílio de um microfone a um alto-falante. O custo era mínimo.
Depois que passamos a imitar os norte-americanos, os gastos começam pela realização das convenções partidárias. Bandeiras, aparelho de som, balões, faixas e artifícios pirotécnicos.
Escolhido o candidato, aí é que começam as grandes despesas. A lei franquia a televisão e o rádio, no período da campanha. Mas aparecem os "marqueteiros", os gênios do marketing político, capazes de fazer de um medíocre um estadista, e de um pobre diabo um grande talento, pela mágica dos programas. Qual o custo? Sei de peritos na arte do marketing que não pedem menos de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões para dirigir a campanha de televisão e de rádio.
E os brindes, verdadeiros chamarizes para os eleitores que, de resto, cobram-nos com avidez? São as camisas, os bonés, os "buttons", que numa campanha majoritária custam milhões de reais. E os transportes? Os aviões a jato ou convencionais, os automóveis e essa invenção que presumo baiana, que são os trios elétricos. Quem não entrar nesse festival de meios, que visam a conquistar os eleitores, pode tirar o cavalo da chuva. Não se elege.
E ainda resta por último, mas não o menos importante, a despesa com as indefectíveis pesquisas quantitativas e qualitativas. Haja dinheiro! Por isso é que o PT declara estar em déficit de US$ 1,5 milhão, a ser coberto em consequência da campanha presidencial.
Não passa, pois, de uma grande hipocrisia aparentar vestal que perdeu a virgindade, não pela forma que o cacique Paiakan foi acusado, mas pela entrada no cofre da campanha eleitoral do dinheiro recebido do odiado grande capital nacional, já que as multinacionais têm o bom senso de não entrar nisso.

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