São Paulo, sábado, 3 de dezembro de 1994
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Rede franco-alemã aposta em TV sofisticada

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Arte –pronuncia-se Artê– é um canal de televisão na contramão. No momento em que os tradicionais monopólios públicos da televisão européia enfrentam a concorrência ferrenha da televisão privada, os governos francês e alemão investem na "alta cultura". A programação da Arte exclui seriados, esportes e programas de auditório. Há uma ênfase em documentários e filmes. Não há anúncios ou patrocínios.
Hans Robert Eisenhauer, diretor de programação da emissora em visita ao Brasil falou à Folha sobre o "sui generis" canal binacional que privilegia a "qualidade" e resiste à comercialização, mesmo que o resultado sejam baixos índices de audiência.

Folha - Qual a diferença entre a Arte e os canais públicos?
Hans Robert Eisenhauer - Os canais públicos são feitos para o grande público. Eles têm que oferecer entretenimento, informação e programas educacionais. Nós estamos voltados para programas culturais, entendendo cultura não no sentido tradicional como teatro, cinema, música, dança...Entendemos cultura em um sentido mais amplo, como civilização.
Na Alemanha, o serviço público vive sob forte competição. Há quase 30 canais privados, que atingem mais de 50% da audiência. Os canais públicos têm que defender sua posição, pois a perda de audiência pode ameaçar sua legitimidade. Como os canais públicos não podem oferecer alta qualidade, foi criada a Arte, uma emissora franco-alemã com vocação européia.
Folha - Como vocês encaram a tarefa de lidar com as diferenças culturais inerentes ao projeto Arte?
Eisenhauer - Nossa filosofia é a de introduzir o público em diversos problemas dos mais variados lugares do mundo. Em francês dizemos "regard croisé" (olhar cruzado). A idéia é tentar interpretar as coisas com os olhos do outro.
O encontro de culturas me interessa. É isso que me fascina aqui, é o que me fascina em Los Angeles e em Paris. Por exemplo, produzimos um programa sobre Pina Bausch na Índia. O encontro de bailarinos europeus com colegas indianos foi muito instigante.
Folha - Quais foram as reações à fundação da Arte?
Eisenhauer - Os intelectuais parisienses ficaram chocados, mas as pessoas em outras cidades francesas reagiram muito bem e se dispuseram a tentar essa parceria com os alemães. Na Alemanha não houve reação porque ninguém recebia as transmissões de Arte.
Mas agora isso mudou. Temos uma audiência entusiasmada. São pessoas de cinema, teatro, de todas as áreas artísticas. Muitas delas perderam o preconceito contra a televisão. Eu sempre digo que o que faz diferença não são os programas (na maioria os mesmos), é a programação.
Folha - O senhor poderia dar exemplos de sessões temáticas?
Eisenhauer - Cada dia da semana é dedicado a um tipo de assunto, política, literatura etc. E a cada sessão temática tratamos um assunto específico. Um exemplo é a exibição de "The Wonderful, Horrible Life of Leni Riefensthal". Nós mostramos as 4 horas de documentário seguidas de um debate de mais uma hora. Trata-se de um filme polêmico porque muitas pessoas acusaram o diretor de ter criado uma imagem muito polida da cineasta nazista.
Folha - E muitos acham que ele não a criticou o suficiente.
Eisenhauer - Ele criticou com imagens. Às vezes as pessoas esquecem que cinema é imagem. Você não precisa, especialmente se você tem um filme de quatro horas, fazer comentário. Essas cinco horas de programação corrida tiveram índices constantes de audiência. Foi fantástico.
Outro exemplo de programação temática é o filme "Near Death" de Frederick Wiseman sobre um hospital especializado em doentes terminais. Trata-se de um documentário emocionante de seis horas, em preto-e-branco.
Nós decidimos transmitir as seis horas consecutivas, em uma véspera de Sexta-Feira Santa, das 20h40 até as 2h40. Pusemos psicólogos e médicos à disposição do público para consultas telefônicas. As pessoas ligaram, eles queriam saber mais.
No dia seguinte tivemos uma discussão de uma hora, e obtivemos exatamente os mesmos índices de audiência. Não foram índices especialmente altos, mas para um documentário dessa intensidade, foi maravilhoso. Então acho que temos uma tarefa especial: a de transmitir os programas em seu formato original.
Folha - Vocês têm uma política de produzir filmes que possam ganhar o circuito de salas de cinema?
Eisenhauer - Sim. Há poucos recursos disponíveis para filmes difíceis e ambiciosos. Nós procuramos investir exatamente nesses projetos. Resistimos à tendência de as coisas se tornarem mais e mais superficiais.
Folha - Qual é a audiência da Arte?
Eisenhauer - É de cerca de 1%, o que é bastante considerando que estamos no ar há apenas dois anos. Temos que ter paciência e não podemos ceder às pressões para mudar em direção a uma programação mais apelativa.
Folha - O que o senhor acha da televisão brasileira?
Eisenhauer - Tive poucas oportunidades de assistir a televisão brasileira. Fui introduzido no tipo de televisão feito pela Rede Globo através do documentário da BBC –"Beyond Citizen Kane"–, que não era muito bom. Tinha comentários demais. Eu vi algumas telenovelas. Eu gosto de assistí-las. Não sou contra. As que eu vi são muito menos estúpidas do que muitas das produções americanas.

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