São Paulo, sábado, 3 de dezembro de 1994
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'Mil e Uma' se perde no vácuo do estilismo

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

"Mil e Uma", de Susana Moraes, o longa-metragem exibido anteontem à noite em Brasília, é o oposto simétrico de seu concorrente exibido na noite anterior, "A Causa Secreta", de Sergio Bianchi. Se este último aponta sua câmera para o feio, o sujo e o desagradável, Susana Moraes conseguiu a proeza de filmar um paradisíaco Rio de Janeiro em que não há um único pobre.
Não há problemas técnicos em "Mil e Uma", o que o credencia a agradar àqueles espectadores que sempre reclamam da qualidade do som, dos cenários e dos figurinos do cinema brasileiro. A fotografia de Affonso Beato é impecável, os ambientes são limpos e bem compostos, os atores são elegantes.
À parte isso, o filme é pouco menos que vazio. Conta uma história atabalhoada de uma diretora de cinema (Giovanna Gold) que, para conseguir fazer um filme sobre uma imaginária visita de Marcel Duchamp ao Brasil, acaba se envolvendo com tráfico de drogas.
O argumento soa interessante, mas o problema é que o seu desenvolvimento atira ao mesmo tempo para todos os lados, sem resolver a contento nenhum deles. Há a trama policial, há o caso de amor da diretora com seu ator principal, há uma discussão incipiente das idéias estéticas e existenciais de Duchamp, há uma brincadeira metalinguística que consiste em fazer o ator do filme conversar através da moviola com a diretora.
Cada uma dessas linhas atrapalha as outras, e o andamento do filme é o mais dispersivo possível. Não há erros de continuidade simplesmente porque não existe continuidade alguma. Há diálogos românticos dignos de novela das sete, misturados com cenas ultraposadas em locais pseudochiques ou pseudomodernos. E tome imagens do Rio a partir dos enquadramentos mais belos e turísticos.
Em todo caso, a platéia ficou até o fim e aplaudiu, embora sem muito entusiasmo.
Curtas
Os dois curtas em 35 mm da noite –"Domingo no Campo", de André Sturm, e "Atheos", de Antônio Martin– dividiram opiniões. O público optou claramente pelo segundo, talvez pelo fato de o diretor ser da cidade.
Mas, embora tenha um cuidado extremo com a imagem, essa parábola sem palavras com homens e mulheres pré-históricos (ou pós-históricos) que chafurdam na lama parece mais uma experiência de um grupo de teatro amador que tivesse tomado um porre de "Koyannisqatsi" misturado com "O Mahabarata".
O filme de André Sturm é menos pretensioso. Talvez seja pretensioso de menos, até. Mostra um casal incauto que visita um sítio à venda e acaba caindo numa armadilha de sádicos. As reviravoltas inesperadas da história não parecem bem resolvidas do ponto de vista dramático –ou pelo menos o diretor não aproveitou toda a sua potencialidade. O resultado é uma certa frouxidão inaceitável num filme com uma situação tão forte.

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