São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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Fernando Henrique lança 'acordo de Brasília'

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Erramos: 06/12/94

Diferentemente do que foi publicado em parte dos exemplares da Primeira Página e do caderno Brasil, a expressão "o grito de Ibiúna", usada domingo por Fernando Henrique Cardoso, não se refere ao congresso da UNE realizado naquela cidade em 1968, mas sim a uma reunião de economistas na chácara do presidente eleito em 1977.
Como havia previsto desde que idealizou, há mais de um mês, o seminário internacional realizado sexta e sábado no Itamaraty, o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso esperou o final do encontro para lançar a expressão "acordo de Brasília" como marco inicial de seu futuro governo.
"Depois do grito de Ibiúna, passando pelo consenso de Washington, nós poderíamos chegar ao acordo de Brasília. E este acordo de Brasília existe", disse FHC, no discurso que encerrou a reunião.
Em outro trecho de sua fala, o presidente eleito buscou esclarecer o que entendia por "acordo", dizendo que o rumo a ser tomado era o da "estabilidade, com crescimento, com distribuição de renda e com participação social".
Não escapou a FHC o cuidado de explicar aos convidados estrangeiros que Ibiúna é a cidade no interior de São Paulo onde ele tem uma chácara.
Para os convidados brasileiros, no entanto, Ibiúna é sobretudo um símbolo da resistência ao regime militar. Foi lá que se realizou, em 1968, o histórico congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) que acabou com a prisão de todos os participantes pelas forças de repressão do regime.
Embora tenha se referido a uma suposta comunhão de idéias dos intelectuais ali presentes quando mencionou o "acordo" – mais de 60, entre os quais 18 dos nomes mais expressivos do meio acadêmico internacional–, era na imagem de seu governo que FHC pensava ao forjar a frase de efeito.
Até porque entre os intelectuais que tomaram a palavra durante os dois dias de debate foi difícil ver sintonia de pensamento, como disse um deles em caráter reservado após o evento.
Após falar, FHC foi aplaudido por exatos 30 segundos. Vários dos presentes disseram à Folha que se emocionaram com o discurso. Alguns chegaram a chorar.
Diante da ovação insistente, o presidente eleito pegou o microfone e disse: "É melhor vocês pararem senão eu faço um bis aqui". Só então as palmas cessaram.
Debates intelectuais à parte, os tucanos saíram do Itamaraty dando sinais de euforia política. Como disse um deles, o objetivo principal do encontro era sinalizar, com o seminário, o perfil de um governo que se inicia dialogando e ouvindo o que há de melhor no mundo em termos internacionais.
Daí a importância atribuída pelos tucanos à presença e à fala do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Enrique Iglesias.
Embora não tenha dito nada que a maioria dos presentes já não soubessem, Iglesias fez uma intervenção claramente simpática e favorável ao futuro governo.
Sintomaticamente, nenhum dos presentes nem sequer mencionou, durante os dois dias, de seminário as implicações das alianças eleitorais feitas por FHC.
A tarefa ficou para o próprio, que minimizou seus efeitos sobre o futuro governo. "Eu disse ontem a alguns amigos que estou sentindo falta de pressão. Eu preferia ter menos liberdade de escolha para sentir mais onde é que está o solo", disse FHC.
Comportando-se o tempo todo como dublê perfeito de intelectual e político, FHC esbanjou nas citações, ironizou o "purismo" daqueles colegas de academia que "pensam a política em termos estáticos" e chegou a fazer uma piada com o filósofo alemão Georg Friedrich Hegel (1770-1831).
FHC lembrou que, segundo a filosofia hegeliana, a história é um desdobramento da idéia. A seguir, atribuindo a tirada a Hélio Jaguaribe, cientista político tucano e ex-ministro de Collor que não estava presente, disse que "se todos fossem tão inteligentes como nós, Hegel teria razão".
Para não cair na tentação hegeliana, disse FHC, será preciso "muita humildade" durante o governo. Pelo que se pôde sentir no ensaio, nunca modéstia e vaidade estiveram de mãos tão dadas.

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