São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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É proibido condenar

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Foi flagrado sem cinto de segurança? Fumou na ala de não-fumantes? Furou a fila do cinema? Flertou com a vizinha? Chamou a patroa de balofa? Soltou pum no elevador lotado?
Calma, relaxe. Você está salvo. Peça ao Congresso que o anistie. Isso mesmo, recorra aos parlamentares.
Sob o argumento de que Humberto Lucena não pode ser cassado por ter mandado imprimir calendários na Gráfica do Senado, o Congresso prepara-se para perdoá-lo.
Deputados e senadores estão prestes a banalizar a anistia. Incluído na Constituição para ser utilizado em ocasiões especialíssimas, o instrumento será acionado para livrar a cara de Lucena e de tantos quantos tenham utilizado irregularmente os serviços da Gráfica do Senado.
O Aurélio oferece-nos uma boa definição de anistia: "Ato pelo qual o poder público declara impuníveis, por motivo de utilidade social, todos quantos, até certo dia, perpetraram determinados delitos(...)".
Você, pequeno infrator, deve ficar atento. Não seja tolo. Lute por seus direitos. Ora, se o perdão a Lucena, com seus calendários, será considerado socialmente útil, por que não tornarmos impuníveis também outros pequenos delitos? É justo. É muito justo. É justíssimo.
A anistia a Lucena não é tudo. Há entre os parlamentares quem queira mais. Além do perdão, deseja-se incluir na lei eleitoral uma novidade: a permissão para que deputados e senadores possam utilizar a Gráfica do Senado em época eleitoral.
Assim, a impressão de calendários, cadernos e congêneres, às expensas do erário, não seria mais um ato criminoso.
Vejo na idéia o início de uma revolução. Criativos, os parlamentares logo aprovarão uma uma lei que deixe de tipificar como crime não só a impressão de calendários, mas também o assassinato, o sequestro, o estupro, o roubo, o tráfico de drogas... Livres de tão hediondas práticas, viveremos num paraíso estatístico.

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