São Paulo, terça-feira, 6 de dezembro de 1994
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A farsa da anistia

Um grupo de senadores parece estar disposto a provar que não há limites para a desfaçatez. Primeiro, foi o vergonhoso protesto contra a decisão da Justiça de punir Humberto Lucena por ter utilizado recursos públicos para fins eleitorais. Decisão animadora, aliás, já que vai contra o fim da impunidade tradicional das autoridades no país.
Se ficassem apenas nesse protesto indecente, seria só mais uma manifestação de corporativismo explícito daquelas que se ouvem com frequência no país. Deprimente, talvez, condenável, sem dúvida, mas sem maiores consequências práticas. Mas foram mais longe.
Seja por uma distorcida lealdade ao atual presidente do Congresso, seja –mais provavelmente– pelo temor de que a Justiça fosse mais longe, desvendando o novelo da Gráfica do Senado e punindo outros autores do delito, resolveram deixar de lado qualquer escrúpulo.
O grupo de senadores elaborou um projeto de lei que, em seis singelos e escandalosos artigos, pretende anistiar todos os parlamentares que tenham violado a lei, utilizando a famigerada gráfica em proveito eleitoral próprio. E, já que escárnio pouco é bobagem, prevêem uma anistia retroativa mesmo para quem já foi condenado pela Justiça –leia-se, Humberto Lucena.
O acinte da proposta passa até pelo uso da palavra anistia. Esta, segundo o "Aurélio", constitui ato que torna impuníveis autores de determinados delitos, por motivo de utilidade social. A distorção revela bem o ponto a chegou o desvio de finalidades que acomete parte do Congresso. Não só usam do patrimônio público com fins privados, e do seu mandato de legisladores com fins privados, como pretendem também usar da anistia com fins de utilidade privada.
Espera-se evidentemente que esses parlamentares sejam uma pequena minoria e que o Congresso saibe dar-se –e à população– um mínimo de respeito, rechaçando de plano qualquer proposta de anistia. Aliás, para a puída imagem do Parlamento, o melhor é que tal projeto seja abortado e jamais chegue a ser apresentado. Por mais que sejam apenas um grupelho os interessados no ardil, o prejuízo –inevitável– seria de toda a instituição.

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