São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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O possível não basta

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – O presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, gaba-se, conforme seu discurso de domingo, de estar "impregnado por essa paixão pelo possível".
Se é só isso, vai mal, muito mal. Começa pelo fato de que um intelectual tão bem dotado não pode conformar-se com o possível. Afinal, por definição, o possível está ao alcance de qualquer um. Para fazer apenas o possível, nem era preciso ter estudado tanto.
Pior ainda será, se além de o intelectual, também o homem de Estado se limitar a essa paixão tão medíocre. Vá lá que, no Brasil, inúmeros governos nem sequer fizeram o possível. Mas orgulhar-se de estar preparado apenas para esse mínimo indispensável é reduzir à mediocridade o nível de expectativas que se pode ter em relação ao governo.
O Brasil precisa –e todo o mundo sabe disso– de uma revolução, sem dar à palavra qualquer conotação ideológica. Revolução na reconstrução do Estado, revolução na educação, revolução na saúde. Revolução, acima de tudo, na distribuição de renda, que é infame, obscena e, se não bastasse o aspecto ético e moral, também impeditiva de um progresso verdadeiramente seguro e sustentável.
Hoje, essa constatação está sendo feita até por instituições de um atroz conservadorismo, como a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o clubão dos 25 países mais industrializados do mundo).
Ora, revoluções não podem ser feitas com a mera "paixão pelo possível". O presidente eleito já impetra, até, um habeas corpus preventivo, ao afirmar que "ninguém espera milagre".
É verdade, mas a antinomia não é entre "milagre" e "possível". Entre o conformismo com o possível e o absolutismo do milagre, há um enorme campo intermediário para o sonho, para pensar grande, para querer mais.
Para querer, enfim, o que queriam os jovens de 68 aos quais se misturou o intelectual FHC. "Sejamos razoáveis, peçamos o impossível" era um dos slogans da época. Menos do que isso, é ameaçar com uma administração medíocre.

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