São Paulo, terça-feira, 6 de dezembro de 1994
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Bolo fatiado

ELEONORA DE LUCENA

Como nos anos 70, o bolo da economia brasileira tende a dar um salto de crescimento nos próximos anos. Pelo menos essa é a visão neste final de ano. Há euforia na indústria: produção e vendas batem recordes e os balanços das empresas mostram ótimos resultados.
Previsões apontam para um avanço dos investimentos externos no país. Como há 20 anos, o Brasil volta a entrar no mapa das possibilidades de inversão do capital internacional. As Bolsas de Valores esperam uma chuva de dinheiro a partir do próximo ano. Foi no início de 70 que os negócios com ações tiveram o primeiro "boom" de sua história no país.
A era das recessões dos anos 80 parece enterrada. Todas as projeções sobre o crescimento mundial apontam para cima. A economia norte-americana começa a deslanchar e puxa outros tantos países. Apesar de o governo norte-americano estar tentando reduzir o ritmo de avanço –temendo a alta da inflação–, a taxa de desemprego é a mais baixa dos últimos quatro anos.
Aqui, o nível de emprego indústria paulista é o mais alto em 40 meses. A indústria de máquinas, uma das mais machucadas durante a recessão, dobra seu volume de vendas. O comércio já comemora um dos melhores resultados de Natal da sua história –só no final de semana as vendas deram um salto de 30% em São Paulo.
A comparação para tudo isso já não é o Plano Cruzado. Nas vésperas da posse do novo presidente, o clima é semelhante ao período pré-milagre. Empresas nacionais e estrangeiras anunciam ampliação de investimentos e o governo já fala em megaobras. Depois da conquista da Copa do Mundo, os Rolling Stones dão show e até a Transamazônica está de volta.
Apesar do retorno de vestígios dos anos 70, a situação deste Brasil dos 90 é bem diferente. Naquela época, o Estado era o grande empresário, o impulsionador quase absoluto do desenvolvimento. A democracia estava engavetada e o regime militar sufocava as contestações ao milagre. Nacionalismo e estatização eram moda.
Hoje a discussão sobre o crescimento acontece junto com a debate para o desmantelamento do Estado, a privatização. Globalização e queda de barreiras comerciais são considerados princípios fundamentais para o avanço econômico. Um sinal bem concreto: o Brasil está passando de país exportador para importador.
Após 20 anos, o crescimento do bolo traz de volta a velha questão: como será feita a divisão da riqueza? Qual será a fatia de cada um? É possível repartir o bolo enquanto ele cresce?
Até agora se sabe a resposta. Durante os anos 70 e 80 a distribuição de renda só piorou. Períodos de avanço e de recuo na economia não permitiram que o bolo fosse fatiado. Toda a vez que foram ensaiados mecanismos para divisão de riqueza houve forte reação política e econômica.
O novo presidente vai decidir como cortar o bolo agora –se é que ele será fatiado. Ao contrário dos 70, o debate será feito numa democracia, com empresas e sindicatos fortes. Falta estabelecer o papel do governo.

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