São Paulo, quinta-feira, 8 de dezembro de 1994
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Exposição traz Antonio Dias 'suculento'

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exposição: Antonio Dias, com 27 telas e 12 papéis de 1968 a 1994
Onde: Paço das Artes da Secretaria de Estado da Cultura (av. da Universidade, 1, tel. 011/813-3627, Cidade Universitária, zona oeste de São Paulo)
Quando: abertura hoje, às 20h; de terça a sexta, das 13h às 20h, sábados e domingos, das 10h às 18h; até 8 de janeiro

Um osso de cachorro pintado de grafite e pedaços de rodos usados, afixados na tela, formas pintadas que representam ora uma garrafa ora um alargado falo. Você não encontrará uma narrativa de fácil digestão na obra de Antonio Dias.
Essa individual do artista plástico que será inaugurada no Paço das Artes, patrocinada pela Secretaria do Estado da Cultura, deixa claro que tudo tem um sentido absolutamente "amarrado" no seu trabalho.
Eis, finalmente, a primeira exposição institucional de Antonio Dias no Brasil. Aqui temos o artista, representado em mais de 30 obras, de dimensões amplas demais para serem exibidas em galerias. Eis, felizmente, o artista em versão carnuda, suculenta.
Como se sabe, Antonio Dias, que é um dos nossos maiores artistas, vive fora do Brasil desde 1966. Na verdade, ele divide-se hoje entre Colônia, Milão e Rio de Janeiro, cidades onde mantém estúdios.
Espelhando e projetando essa internacionalidade, a obra de Antonio Dias não poderia ser antenada apenas com as referências do modus vivendi brasileiro.
Referências sutis
As amplas telas de Dias, onde prevalecem os grafites, acobreados e outros tons estabelecidos através de pigmentos naturais, não possuem qualquer resquício de tropicalismo.
Mas é justamente na simbologia econômica, no uso de referências sutis, "enxutas" que ele diagnostica sua condição de nordestino.
Afinal, o artista paraibano sabe como ninguém trabalhar as pequenas ironias da vida, diluindo a crítica social no mais impecável e bem construído suporte estético. Por exemplo, os ossos de cachorro –aqueles de borracha, comprados em lojas de animais e depois pintados por ele– são repetidos em várias telas, mantendo seu significado de morte e fome.
Riqueza simbólica
"Tango" (1985) mostra vários desses ossos dispostos na tela, decodificando a "dança" de desenterrar cadáveres, vítimas da repressão durante o regime militar no Brasil. "Entre a Fábrica e o Machado" (1987) exibe esses mesmos ossos, dessa vez sobre pratinhos, representando a rotina e a castração que permeia a vida operária.
Pedaços de um rodo usado deram origem a duas telas, sem título, mas com densa ironia social. Os rodos eram materiais dos pedreiros que terminavam uma reforma na casa do artista, no Rio. Simbolizam os restos simplórios de seu árduo trabalho.
Não há sequer necessidade de usar objetos para transportar o espectador rumo a um universo de economia de elementos e riqueza simbólica.
Antonio Dias, revoltado com os rompantes neonazistas de "limpeza étnica" que se instalaram na Alemanha depois de sua unificação, criou, em resposta a isso, um tríptico.
São três quadrados monocromáticos –um preto, um verde, um vermelho– que ele chamou de "Todas as Cores dos Homens" (1991). É o bastante para edificar um belo apelo visual de tolerância entre os homens.

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