São Paulo, quinta-feira, 8 de dezembro de 1994
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Para que o Supremo?

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Li e ouvi, nas últimas horas, os chamados formadores de opinião que desfilam pela mídia. Uns pelos outros, podem ser resumidos na advertência comum ao Supremo Tribunal Federal: a opinião pública já condenou Collor, o STF não pode se perder em detalhes técnicos que formam o direito e expressam a justiça. Numa palavra: para que o STF?
Por instinto, não exatamente por gosto, desconfio das montagens que formam a opinião pública. Collor foi eleito numa complicadíssima montagem em que despossuídos e possuidores estiveram unidos. Foi expulso do poder através de outra montagem que explorou com habilidade os pretextos que o próprio Collor forneceu com exagero.
Entre as duas montagens, ele cometeu erros e acertos. Apesar de imaturo, leviano, despreparado para a função, sobretudo se levarmos em conta a pobreza dos quadros de que dispunha, ele está ameaçando se tornar um divisor no plano da grande história. Isso não dá para absolvê-lo diante da opinião pública.
O Estado criou os tribunais de suprema instância para julgar os contraditórios sem paixão, sem imediatismo. O direito estabeleceu dispositivos técnicos que precisam ser respeitados. Fora disso, é a justiça pelas próprias mãos, ou –o que é pior– a justiça pelo próprio coração.
Se o STF adotar o critério político no julgamento de Collor, se não resistir à pressão da mídia e da opinião que ela plantou na sociedade, teremos a não-pizza que foi guindada a supremo valor moral da nação. Novamente a pergunta: para que o STF? Para referendar o que já foi julgado sem a tecnicidade da lei e do direito?
Nos Estados totalitários, os tribunais não perdem tempo com o lado técnico do direito. Julgam de acordo com o interesse do Estado. Numa ditadura, o Estado é sempre justo. E a sociedade, manobrada pelos formadores oficiais de opinião, passa a acreditar que justiça foi feita.
Se dependesse de mim, Collor não teria sido presidente um só dia. Mas acho que ele merece um julgamento decente e técnico.

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