São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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Leia texto inédito de Tom sobre Mata Atlântica

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

Poucos dias antes de embarcar para Nova York, Tom Jobim entregou os últimos textos de seu primeiro livro, "Visão do Paraíso por Tom Jobim" (leia trecho abaixo). Nele, conta histórias sobre a Mata Atlântica.
"Tom sempre se inspirou na Mata Atlântica e pediu que o livro fosse lançado com as águas de março, fechando o verão. Por isso tínhamos marcado o lançamento para março", disse Cristina Ferrão, 39, dona da editora Índex.
O livro é ilustrado com fotos feitas por Ana Jobim, mulher de Tom. As legendas das fotos usam trechos de suas músicas.
Além do livro, o projeto incluía um vídeo, feito pelo cineasta Walther Salles Jr. Durante 45 minutos, as imagens mostram Tom passeando e contando histórias sobre a Mata Atlântica.(Cristina Grillo)
Mas é. Vocês estão me provocando aí, nesse negócio de música e coisa; a música toda que eu fiz tem a ver com a Mata Atlântica, a floresta Atlântica, quer dizer, a cultura, esse negócio brasileiro, o café, a cana, a jabuticaba, isto tudo é Mata Atlântica. Petrópolis, Teresópolis, Bocaina, Mantiqueira, e mesmo o mar. Ipanema.
Ipanema é um nome que veio de São Paulo (pode-se ver pelos proprietários, são todos paulistas); em tupi-guarani, parece que Ipanema quer dizer água ruim, sem peixe –um rio sem peixe que tem lá em São Paulo. E tem uma outra Ipanema, cidadezinha de Minas. Não que a nossa Ipanema fosse água ruim, nem que não tivesse peixe; pelo contrário, Ipanema tinha muito peixe –mas muita, muita raça de peixe. E a Lagoa Rodrigo de Freitas e chamava Sacopenapã, que quer dizer "uma porção de socós". Ipanema está com cem anos. (...)
A gente vai aprendendo na praia uma porção de coisas. Negócio das águas, águas pra sul, águas para leste, sudoeste, chuvas; havia um tempo em que a gente apostava e ganhava da meteorologia. Noutro dia eu estava conversando com meu amigo José Pedro de Oliveira Costa e falávamos dos peixes, dos pássaros, de passarinho e de passarão. O pássaro só voa contra o vento e só pousa contra o vento. Quando você vê um pássaro pousado no alto de um pau, o bico dele aponta para o vento, ele é como uma biruta de um campo de pouso, é como um avião que só levanta contra o vento. O peixe, a mesma coisa, nada contra a correnteza. Por exemplo, nas Cagarra, em Ipanema, água de sul, correndo para leste. O peixe estará sempre próximo ao embate das águas na pedra, mesmo parado, nadando contra a corrente. O mar no lado manso da ilha estará deserto, sem peixes. Pássaro e peixe, pena e escama, e a luta continua.
(...)
A relação do homem com as aves, com os pássaros é diferente na terra e no mar: na terra é a ave que teme o homem; vai lá, dá um tiro num passarinho, na ave. No mar é diferente, a gaivota é amiga do pescador, a gaivota indica, mostra para o pescador onde está o peixe, porque ela está de cima, ela vê o que você não vê; você para ver peixe aqui, você precisa de uma noite sem lua, para ter o que eles chamam de argentia, para você conseguir ver a fosforescência.

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