São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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O ódio ao eu

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Alguém disse, talvez Nelson Rodrigues, que nossa reputação é a soma dos palavrões que inspiramos nas esquinas, nos bares.
Pois creio que não há no país quem suscite mais nomes feios do que o Congresso. Experimente-se perguntar numa quina de rua, numa mesa de boteco o que pensa o brasileiro de seu Parlamento, de seus políticos.
Serão contados aos milhares os que, baba gotejando pelo canto da boca, recorrerão a um bom, honesto e sonoro palavrão.
Longe de tais ambientes hostis, no asséptico plenário do Senado, reuniram-se na quarta-feira 46 desses senhores de reputação celebrada.
Discutia-se um tema grave: a anistia a Humberto Lucena e a todos os que, como ele, utilizaram a Gráfica do Senado para imprimir material de campanha com dinheiro público.
Deu-se o esperado: a corporação fez uma aliança com a indecência –42 senadores votaram a favor do perdão a Lucena e congêneres. Três se retiraram do plenário. E apenas um, Eduardo Suplicy, disse não.
É como se os senadores, incluindo os que fugiram da votação, encomendassem lambadas em si mesmos. É como se, fitando as esquinas e os bares, gritassem: "Xinguem-nos. Digam-nos poucas e boas. Insultem-nos".
Céleres, os senadores encaminharam a proposta de anistia para a Câmara, outro repositório de festejadíssimas reputações.
Poderia arrematar o texto com grosserias dirigidas aos parlamentares. Mas, súbito, me ocorre que talvez o mais adequado seja desancar os seus detratores.
A mão que hoje os apedreja é a mesma que ontem os elegeu. Portanto, sejamos francos: o eleitor brasileiro é mesmo um tonto.
PS – Em texto publicado no último sábado, cometi dois indesculpáveis equívocos. Referi-me a Roberto Campos como senador. Ele é deputado. Chamei o seu livro de "A Lanterna de Popa". O correto é "A Lanterna na Popa".

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