São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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Para onde vai a política

JOSÉ SARNEY

A política, hoje, é exercida menos pelos políticos, esse mundo criado pela democracia representativa, e mais por um sistema de capilaridade no qual a cidadania organizada exerce ação política através dos sindicatos, corporações, associações de toda ordem, clubes etc., sem falar do mais poderoso de todos os poderes políticos: a imprensa, poder sem contrapeso que hoje se congrega numa ampla frente que abrange todos os meios de comunicação de massa.
Quando Jefferson, na Quinta Emenda, deu à imprensa o status de um quarto poder, para contrapor-se ao poder do Congresso, jamais avaliou que ela, com o desenvolvimento tecnológico e o espaço econômico que ocuparia, viria a constituir-se um dos maiores setores industriais, que envolve grande gama de interesses.
O que se pensa, agora, é como sobreviverá a democracia representativa nesse condomínio representado pela sociedade organizada, imprensa e instituições.
A meu ver, o Muro de Berlim não caiu somente em cima do socialismo. A sociedade não acredita mais nos valores da democracia representativa, nem na capacidade de um sistema político gerar a felicidade dos homens.
A tecnologia e a ciência derrubaram as ideologias. E as ideologias não eram somente as de esquerda.
A ideologia, pela sua capacidade de gerar dogmas e utopias, era o núcleo, a energia, a própria razão de ser da atividade política, concebida no modelo clássico da intermediação entre povo e governo, estabelecido na democracia representativa.
Os congressos e os governos envelhecem rapidamente e se distanciam cada vez mais da legitimidade conferida pelas urnas.
Qual o futuro da democracia representativa nesse quadro?
O mundo chegou a dois estuários que são irreversíveis: a democracia liberal e a economia de mercado. Mas eles não serão estáticos.
O mercado tem pela frente o fato de levar ao desemprego estrutural. Sua concepção de competitividade, baixos custos, novas tecnologias, compactação de materiais leva à liberação de mão-de-obra. E a miséria começa no desemprego.
O desenvolvimento social inevitavelmente é postergado, porque a velocidade da pobreza é maior do que a do desenvolvimento econômico. Ficará uma sociedade injusta, povo pobre, país rico?
Mas sem crescimento não há como combater a pobreza. Então um novo modelo deve vir pela frente.
O tema libertário será sem dúvida não mais a ideologia, mas o conhecimento, como será também a questão social.
Quanto à democracia representativa, ela tenderá a ser mais participativa e, com o desenvolvimento tecnológico da informática e dos canais de aferição da opinião pública, haverá uma volta à democracia direta, não mais na praça pública, mas vinculada pela imprensa, televisão, fibra ótica, satélite.
Nesse mundo, ao político somente restará ser a vitrine a ser quebrada e o executor de políticas públicas que serão formuladas pelos novos atores.

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